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«High-Rise» (Arranha-Céus) por Paulo Portugal

Sentiu-se desconfortável durante o filme? “Ótimo, era isso que eu pretendia”, haveria de referir o britânico Ben Wheatley durante a nossa entrevista a propósito desta sua ambiciosa adaptação do (inadaptável) romance de J.G. Ballard, editado em 1975.

Na verdade, High-Rise é difícil de encarar como mero entretenimento, até porque a intensa luta de classes vivida entre os ocupantes de uma imponente e ultra-moderna torre equipada exatamente com tudo aquilo que necessitam para viver numa espécie de ambiente fechado. Pelo menos foi essa a abordagem de Ballard a um capitalismo galopante vivido no seu tempo e, de certa forma, hoje replicado segundo uma fórmula muito semelhante. Até porque se dúvidas houvessem, seriam dissipadas pelo momento Margaret Thatcher que Wheatley deixou lá para o final da fita. Seja como for, brava é a adaptação de Amy Jump, fiel colaboradora e mulher de Ben, ao aventurar-se nesta odisseia que vive paredes meias com o que poderíamos encarar como o período de uma autêntica Revolução Francesa em ambiente retro futurista muito seventies e próximo do Brazil, de Terry Gillian.

No entanto, para não afastar à partida potenciais espetadores, o cineasta britânico talvez mais inconformado, decidiu apostar num cast de estrelas, como o insuspeito galã Tom Hiddleston, a par dos irrecusáveis Jeremy Irons, Sienna Miller (Foxcatcher), Luke Evans (Velocidade Furiosa) ou mesmo Elisabeth Moss (Mad Men). Talvez assim conseguisse até atrair um público seduzido pelo cartaz com um elegante Hiddleston. Aí sim, o gozo seria supremo, pois motivará uma experiência, no mínimo, radical.

Robert Laing, a personagem de Hiddleston, um homem habituado a encarar a realidade como ela é, talvez devido às poucas surpresas que lhe transmite a profissão de médico legista, instala-se no 25º andar, suficientemente acima da população, ainda que com motivação para olhar para cima. Até porque de lá também olham para ele. D é assim mesmo que Laing é encarado pela vizinha Charlotte (Sienna Miller), em pelota quando tomava banhos de sol. No topo vive o arquiteto Royal (Jeremy Irons), autor do desenho de cinco torres encaradas como os dedos de uma mão voltados para cima – como que a segurar o mundo? Naturalmente, já se sabe, uma certa instabilidade – “o edifício ainda não assentou”, justificar-se-á Royal – dará depois lugar a alguma loucura e um caos total. E é aqui precisamente sentimos que Wheatley delira e se entrega, ganhando com as prestações do revolucionário violento Richard Wilder (Luke Evans), a sua mulher Helen (Elisabeth Moss), entre inúmeros outros habitantes, funcionários do supermercado e da limpeza.

Num dos vários climaxes, sentimos mesmo uma versão de S.O.S, dos Abba (são os Portishead), antes de regressar a um lado mais sério e subscrever o que ficará implícito no tal momento Thatcher. No entanto, ficamos com a sensação de que com tanta agitação, parte dessa mensagem se perdeu pelo caminho. Como que se Ben Wheatley estivesse mais empenhado em fazer-nos sentir o tal desconforto. Este é o filme que eu gostaria de ver, garantiu-nos. Resta saber quando, pois para além do circuito festivaleiro, existe apenas uma data timidamente sugerida – 2016.


Paulo Portugal