Sexta-feira, 19 Abril

«The Visit» (A Visita) por André Gonçalves

Há 16 anos, o cinema norte-americano encontrou um novo modo de contar histórias de terror com o género “found footage” de O Projecto Blair Witch, ainda o seu melhor exemplo. No mesmo ano, em Filadélfia, um miúdo precoce contava a Bruce Willis que via pessoas mortas, num dos fenómenos de bilheteira mais bombásticos que a geração de Clinton assistiu, e que lançou (e quebrou também, mas isso dava para todo um outro artigo…) a carreira de M. Night Shyamalan. 

Filadélfia, um miúdo precoce, um clima de constante tensão e suspense, e uma reviravolta final, era o que caracterizava os primeiros filmes M. Night Shyamalan até este se tornar uma piada andante até para os fãs mais xiitas com obras como O Último Airbander

Com este seu filme de menor orçamento (uns modestíssimos 5 milhões de dólares) e voltando a ter liberdade criativa total, Shyamalan decidiu voltar a mexer com o imaginário dos contos de fadas e das “histórias de fogueira”, narrando aqui a história de dois miúdos que visitam os seus avós só para se arrependerem para convocar clássicos como Hansel e Gretel sob um prisma Atividade Paranormal

O realizador tinha prometido um regresso aos básicos – aquele tipo de expressão tão temida no mundo artístico, pois geralmente significa “falta de novas ideias”. E se o marketing inicialmente fazia adivinhar o pior – um realizador cada vez mais inconsciente do ridículo, agora a saltar por cima do género “found footage”, bem… o marketing, só para variar um pouco, enganou-nos.  

A maior reviravolta deste A Visita é de facto, o quão bom o filme realmente é. Dependendo de quando o espectador rasgou o cartão de fã, podemos dizer seguramente que desde 2006 (com o malogrado A Senhora da Água) que o realizador não atingia tanto no alvo. E se os seus filmes sempre tiveram humor, este vai um pouco mais além na escala da insanidade: é tanto um dos filmes mais assustadores de 2015 como um dos mais hilariantes, muitas vezes surgindo como fruto da mesma sequência. 

A título de comparação com o seu passado, é imaginar se a idosa medonha e “camptástica” de O Acontecimento tivesse agora maior tempo de antena e trouxesse o seu marido com ela, agora em jeito de humor mais consciente e cínico. Ou seja, o rídiculo que viamos no trailer era mesmo suposto. Com o bónus da maestria inicial do autor do suspense moderno, uma vez comparado a Spielberg, estar de volta e com máxima força.  Espremendo ao máximo um género para o qual muitos já cavavam uma sepultura (e só podendo ser criticado de levar a premissa de câmara na mão até ao seu limite lógico), Shyamalan constrói aqui o seu melhor exemplo desde que Rec simbolizou mais do que botão de gravação. 

De fora ficou apenas: uma potencial banda sonora memorável de James Newton Howard – que o filme não requer, é certo; e um cameo do próprio Shyamalan – mas não será difícil adivinhar qual é o seu alter ego aqui. E pronto, há que dizer que, se pôr dois grandes géneros opostos a funcionar ao mesmo tempo ao longo de toda a duração já é tarefa digna de maestro, colocar a espaços um terceiro (o drama) é brincar com o fogo… Mas é o que Shyamalan se arrisca aqui – e esse foi sempre o seu risco, em boa verdade: não se limitar ao que está escrito na prateleira para a qual a sua obra eventualmente vai parar. De resto, podemos fingir que a última década não passou, e voltar a olhar para a infame capa da Newsweek de há 13 anos atrás com olhos renovados e crentes…   

Yahtzee!

 

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