Sexta-feira, 19 Abril

«It Follows» (Vai Seguir-te) por André Gonçalves

Após um encontro sexual, Jay (interpretada por uma cada vez mais promissora Maika Monroe) é informada que tem uma entidade a persegui-la, e se a apanhar morre. Um antídoto? Passar a outra pessoa, fazendo sexo com ela. Mas se essa morrer, a entidade voltará a persegui-la, retrocedendo na cadeia até à fonte…

“Sexo é igual a morte” é uma das regras básicas do cinema de terror, enunciada pela personagem de Randy nessa seminal bomba de ar para o próprio género que foi  Scream (Gritos).

O cinema sempre soube aproximar bem estes dois conceitos, quer seja um filme puro de terror, quer este consiga escapar a uma prateleira específica (“O Desconhecido do Lago“). Mas nunca, pelo menos pelo meu conhecimento, tivemos um filme, claramente herdeiro do cinema de género aperfeiçoado (e nunca superado?) em Halloween, a fazer uma história onde essa equação se expande a múltiplos níveis nunca perdendo o rumo sobre nenhum deles, e sem nunca os martelar.

Não foi por isso um mero acaso que esta segunda longa-metragem de David Robert Mitchell passou na semana da crítica em Cannes. O nível de realização aqui, com piscadelas óbvias ao melhor de John Carpenter (Halloween outra vez…), por si só mereceria o tipo de frases de desde então ecoaram: sempre focada no alvo (qual “Morte”/”It“) e sempre subtil ao mesmo tempo. Muito autor da Cahiers ficou certamente verde de inveja no visionamento deste filme.

Entre as várias leituras, temos a mais superficial – importação da dinâmica de contágio popularizada pelo cinema oriental – com o apogeu em filmes como Ringu, até a como este contágio, sendo por forma sexual, pisca o olho à cultura de fobia contra as DSTs, passando o próprio sexo como arma de arremesso, ou até um potencial método de vingança (!). Subindo um pouco mais na árvore, começa a ficar clara também a intenção de fazer um filme de despertar da própria mortalidade com o passar à idade adulta, geralmente assinalada com a perda da virgindade… As citações de “O Idiota” de Dostoiévski servem precisamente para sublinhar esse facto.

Um outro ponto interessante e assombroso é a lógica anacrónica que Mitchell escolheu para esta história. Não sabemos em que ponto histórico estamos, criando o argumentista e realizador uma atmosfera tão onírica como intemporal.

De facto, digo com o maior dos elogios que Vai Seguir-te não parece pertencer ao tempo que foi criado, e será, tal como as melhores obras, incompreendido por muito do público dos cinemas “multiplex” (e para dificultar a sua carreira comercial por cá, só estreou neste tipo de cinemas em Portugal… em 5 mais concretamente!) à espera de algo completamente diferente – i.e., igual aos outros todos.

Filme de terror do ano? Filme do ano.

O melhor: A realização e os múltiplos níveis interpretativos a que narrativa se presta.
O pior: Nada a assinalar.


André Gonçalves

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