Quinta-feira, 25 Abril

«Dark Places» (Lugares Escuros) por André Gonçalves

Aos 7 anos, Libby Day viu a sua família ser brutalmente assassinada num triplo homicídio que a tornou tão famosa como lhe destruiu a vida. O seu irmão foi considerado culpado dos crimes, com a ajuda do testemunho da própria Libby. Agora, aos 30 e poucos anos, Libby vive ainda de ajudas de “admiradores”. Quando recebe uma carta de um destes, que lhe pede para olhar de novo para o caso a troco de dinheiro, com o objetivo de validar a culpa do irmão, Libby começa então uma viagem no tempo e contra este, levando o espectador com ela.

Lugares Escuros é adaptado do segundo livro de Gillian Flynn (escrito antes de Gone Girl – Em Parte Incerta), e quis o azar da distribuição que este estivesse mais tempo em desenvolvimento de modo a estrear poucos meses após o filme superlativo de David Fincher, levantando inevitavelmente comparações entre os dois, por muito que se queira lutar contra. (E nos Estados Unidos, o filme acabou mesmo por ser inexplicavelmente lançado direto para video…)

É uma pena, pois temos aqui mais um belo caso de um “thriller” centrado em personagens difíceis e ambíguas, e que são produto de todas as experiências vivenciadas, onde não há propriamente heróis nem vilões.

Mais uma vez confirma-se o talento de Flynn para escrever personagens femininas complexas. Libby é uma autêntica super-anti-heroína (e anti-vítima), encarnada pela belíssima super-atriz Charlize Theron, que já mostrou provas mais que suficientes neste tipo de papéis, de Monstro a Jovem Adulta, é impossível pedir melhor.

O realizador Gilles Paquet-Brenner(A Chave de Sarah) não tem claramente o mesmo tipo de talento de Fincher para fugir ao óbvio, vamos tirar isto do cesto. Talvez o material desta vez seja bastante mais difícil e menos iconográfico que a história de “Amazing Amy“, em sua defesa. Há um ou outro rasgo de criatividade – no uso de filtros ala “found footage” para detalhar o acontecimento traumatico do passado – mas até isso soa fácil demais, em boa verdade.

Não há também uma grande revelação a meio desta vez, estando o mistério de “quem matou?” preso ao longo das quase duas horas de duração. Paquet-Brenner faz o que tem ao seu alcance para prender o espectador nesta teia, e mesmo com um fio ou dois perdidos pelo meio, é de salutar tanto a coragem em manter-se fiel ao tom negro do material, como efetivamente o conseguir manter este espectador suspenso na teia.

Estando eu assumidamente também toldado por um julgamento filme vs. filme, tenho a ideia clara que o tempo só fará bem a  Lugares Escuros. Podemos não estar perante a fita mais perfeita do ano, mas como contra-programação de verão, e para quem precisa de lavagens ao estômago depois da overdose de “remakes”, “sequelas” e “reboots” de super-heróis, é um ótimo remédio. E não merece de todo a chacota que recebeu lá fora.

O melhor: A complexidade das personagens; Charlize Theron.
O pior: Não sabe agarrar todos os fios da teia, na tentativa de ir a todos os sítios.


André Gonçalves

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