Sexta-feira, 29 Março

«Strangerland» (Em Terra Estranha) por Roni Nunes

 

Se o fim do mundo existisse é bem possível que ele se parecesse com o local onde se foram meter os protagonistas deste Em Terra Estranha, o casal Cooper (vivido por Joseph Fiennes e Nicole Kidman). Levam com eles, para os confins da Austrália, os filhos – o garoto Tommy (Nicholas Hamilton) e a sua lasciva irmã de 15 anos, Lily (Maddison Brown). E por que foram lá parar é um dos mistérios da trama – agravado pelo facto de, a dado momento, os jovens desaparecerem sem deixar rasto.

Esta é uma história de investigação que poucos ecos encontrará nas séries televisivas e com isso há de criar um exército de espetadores frustrados pelo mundo afora. Antes de whodunits, exames de DNAs e contagens regressivas, o que este filme propõe é um vertiginoso mergulho de outra natureza – um imaginário referencial e visual povoado por desertos, tempestades de areia, serpentes e sujeira que ilustram a volúpia como uma espécie de maldição ancestral que arrasta as protagonistas femininas para o descontrole e o esfacelamento de qualquer possibilidade de sustentação de um “laço de família”.

A abordagem da sexualidade feminina da obra de estreia de Kim Farrant (vinda da televisão e do documentário) no cinema de ficção é ousada e pouco comum, focando-se antes no desejo e na “luxúria” e menos no remorso e na punição. Para poder jogar com tais elementos, Farrant é beneficiada pela distância de milhares de quilómetros dos compromissos com o farisaísmo moralizante dos filmes de Hollywood e pelo apadrinhamento certeiro de Nicole Kidman, que nunca teve medo destas andanças (vide as polémicas com Birth – O Mistério e a sua curiosa participação em The Paperboy – um Rapaz do Sul). Ela aqui surge mais destemida do que nunca e concentra o maior dos atrativos dramáticos do filme, embora não deixe poucos conflitos para atormentar os secundários – um Fiennes sempre no limite entre o que não aceita e não compreende, e Hugo Weaving, subtil na construção do ambíguo investigador do caso.

Os problemas começam com o rumo que o filme toma a partir de um certo momento – abandonando a história em favor da construção atmosférica. O que ocorre é que as pontas soltas tornam-se demasiadas e frustram de facto, mesmo que se saiba que a intenção-não-era-essa, e culminam numa perda de fôlego evidente no último terço. No todo é mais um ponto positivo de Kidman, a ter mais sorte que Kate Winslet, outra santa padroeira das dona-de-casa-desesperadas que, a transitar por caminhos semelhantes, apareceu há dois anos com dececionante Um Segredo do Passado.

O melhor: Nicole Kidman e a abordagem ousada da sexualidade feminina
O pior: perde o gás no terço final 


Roni Nunes

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