Sexta-feira, 19 Abril

«Loin des Hommes» (Longe dos Homens) por Roni Nunes

 

Utilizando inóspitos e remotos cenários conjugados com um profundo desejo de ascetismo o escritor Albert Camus construiu a narrativa de O Hóspede, que publicou no seu livro de contos O Reino e o Exílio. O realizador David Oelhoffen viu nestas páginas, que utiliza como ponto de partida para o seu “Longe dos Homens”, mais do que um melancólico processo de punição do protagonista pela sua deserção do mundo “real”. Limpando o gelo das paisagens do enredo original para preencher as suas panorâmicas imagens com a aridez do deserto e das rochas dos montes Atlas, o cineasta francês busca uma recriação muito particular dos velhos modelos dos westerns e alguns dos seus arquétipos – incluindo as travessias de personagens solitários num mundo em transformação e os choques de civilização.

Daru (Viggo Mortensen) é um professor de uma escola primária nos confins da Argélia. Pacifista e alienado de disputas bélicas desde o fim da 2ª Guerra Mundial, ele ensina crianças árabes das aldeias próximas. Sua rotina eremítica e frugal, no entanto, é interrompida quando um policial francês surge acompanhado de um condenado argelino, Mohamed (Reda Kateb), e ordena que seja ele a entrega-lo no posto da guarda gaulesa a um dia de viagem. Profundamente desgostoso com a missão, Daru, no entanto, acaba por se ver forçado a abdicar do seu retiro voluntário para ser confrontado com os laços do mundo que queria deixar para trás.

Nesta história de fuga e responsabilidade, os contornos tornam-se dúbios quando se confrontam o humanismo à moda ocidental de Daru, cuja liberdade também pode implicar em indiferença moral, com o inexorável determinismo, mas atento aos compromissos sociais (as leis da tribo) e afetivos (a família ameaçada), de Mohamed. Está situação é explícita num diálogo áspero onde o professor vocifera contra a aparente inércia do seu oponente em “lutar pela vida“. Este, por seu lado, responde que “não é um cobarde“. Com isso Mohamed contrapõe a autonomia aparente do franco-argelino (da qual em parte abdica ao “não tomar parte”) com a noção de que o seu próprio livre-arbítrio está vinculado a um bem-estar maior.

Longe dos Homens padece um tanto da dificuldade em conjugar uma história que era essencialmente filosófica com o uso de artifícios do cinema norte-americano, como a jornada heroica (um protagonista que parte contra à vontade para atingir um objetivo e no meio enfrenta uma série de obstáculos) e os parâmetros dos buddy movies. Estes standards surgem com intercalados com as reflexões sugeridas pelos planos fixos e a música atmosférica de NicK Cave e seu colaborador habitual Warren Ellis.

Em termos narrativos, estes esquemas tornam-se credíveis na medida que Oelhoffen transpõe a (pouca) ação do conto para o contexto da guerra civil argelina. Estas opções, por um lado, o retiram da senda da arthouse contemplativa e, por outro, tampouco o colocam naquele patamar do que uma certa escola de crítica cinematográfica yankee chamaria de “fun“. O filme fica, assim, num estranho limbo, nem sempre funcional na sua relação entre reflexão e dinamismo – mas, no geral, bastante interessante pelas questões que levanta.

O Melhor: cinema com filosofia nunca é demais
O pior: algum artificialismo da proposta


Roni Nunes

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