Sábado, 20 Abril

«Magical Girl» (Rapariga Mágica) por Hugo Gomes

Apesar do título, não encontramos nada de verdadeiramente mágico em Magical Girl, somente uma firmeza no seu clima de constante mistério. Eis uma comédia negra que tão depressa se transforma num drama pesado sobre os limites do desespero humano. Após essa passagem emocional, obviamente, tudo perde o seu estado de graça e é acentuado ainda mais o negro da sua compostura.

Com uma narrativa alternada, porém, unida num eventual desfecho que fecha um trágico círculo, Magical Girl remete-nos a um pai desempregado (Luis Bermejo) cuja filha tem os “dias contados” em consequência de uma doença terminal. Entretanto, ele descobre que esta possui um derradeiro desejo: um vestido de cosplay da sua personagem de anime favorita. Para tentar cumprir esta última vontade, e apesar das dificuldades, este homem gasta o que tem e o que não tem. O desespero, apesar das suas boas intenções, levam-no a chantagear a frágil Barbara (Bárbara Lennie), que por sua vez terá que se envolver em perigosos esquemas para “silenciar” o chantagista, mesmo que isso coloque em risco a sua própria vida.

O grande trunfo de Magical Girl é o de nunca ser explícito, ocultando segredos e manter assim, sob as suas limitações, um mundo fora do ecrã (existe algo de “tarantinesco” dos tempos de Pulp Fiction). Depois é a sua teia de referências à atualidade social, um panorama que o espectador evidencia em toda esta jornada polinarrativa. A austeridade e o crescente desemprego é evidentemente um dos pontos críticos da obra, na qual Carlos Vermut bipolariza a sátira e reconstitui o drama diário de muitas famílias sob um tom sério e igualmente desesperante. É um choque que facilmente remete o espectador a uma estranheza deste mundo cínico, tornando-se então perceptível a sua linguagem agressiva e trocista.

Outro ponto que beneficia o clima negro de Magical Girl é a sua adversidade para com o politicamente correcto. O filme explora esse sentido e expõe tal através de julgamentos a um conjunto de personagem sem más intenções, mas deveras repulsivas para as mesmas. Como se essa “mesquinhice” fosse algo desnecessário e sobrevalorizado para os tempos que se vive. Como evidência disso é a invocação de um dos finais mais corajosos do cinema nos últimos anos.

Vencedor inesperado da Concha de Ouro do último Festival de San Sebastian e o grande vencedor dos Prémios Goya, Magical Girl é uma tragédia do nosso mundo, ou seja, isenta de qualquer pingo de magia.

O melhor – a coragem de Carlos Vermut em “agredir” o politicamente correto (nota especial para o final), e o constante tecer do mistério e do fora de campo.
O pior – nem sempre os tons são 100% compatíveis, o início constantemente “engasga-se” com esse “choque”.


Hugo Gomes

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