Quinta-feira, 28 Março

«Good Kill» (Morte Limpa) por Roni Nunes

Em Morte Limpa o argumentista/produtor/realizador Andrew Niccol (Gattaca, O Senhor da Guerra) traz à tona a utilização dos drones, máquinas operadas por satélites que possibilitam o bombardeamento de alvos “militares” sem a presença física do combatente – que pode disparar mísseis manipulando um joystick da sua confortável cadeira de Las Vegas.

Tommy Egan (Ethan Hawke) é um destes operadores: dia-a-dia ele entra, sem vontade, numa cabine para executar pessoas enquanto o maior risco que corre, segundo o próprio, é o de virar o copo de café sobre a roupa. Egan não está feliz: embora obedeça ordens sem as pôr em causa, o soldado não se sente à vontade com a segurança de voltar para a família depois de cumprir a sua carga horária explodindo casas e seres humanos numa relação de forças desigual. E tudo fica pior quando as instruções passam a vir da sinistra CIA, cujos fins não olham a meios e ordenam ataques cada vez mais indiferentes aos “danos colaterais” (mortes de crianças, mulheres e homens sem vínculo com o terrorismo).

Depois de tentar a sua sorte (e se dar muito mal) no cinema teen movimentando o lânguido imaginário de Stephanie Meyer com Nómada, Niccol tenta retomar o caminho de cineasta sério mergulhando numa nova aventura militar nas pegadas do que fez em O Senhor da Guerra. E meteu-se por um terreno pantanoso: enquanto era relativamente fácil jogar com as responsabilidades morais (ou a falta delas) de um vendedor de armas, a sua aposta torna-se mais precária quando se trata de abordar de forma insegura as práticas da política externa norte-americana.

Em Morte Limpa, a personagem de Zöe Kravitz serve para Niccol dizer que não se trata de propaganda corriqueira, oferecendo um discurso contestador que encontra rapidamente um contraponto numa série de lugares-comuns do conservadorismo militarista yankee. É com este dispositivo que ele serpenteia dentro do intenso debate contemporâneo sobre as verdadeiras implicações do uso dos drones e das acusações de várias organizações e governos sobre crimes de guerra, elevado número de civis mortos e violações de soberania. Claro está que o filme passa longe do proselitismo truculento de um American Sniper, mas é frustrante que o argumentista não se tenha dado ao trabalho de construir um conflito menos contraditório para o seu protagonista. Este, só para variar, poderia canalizar o seu desespero para fazer alguma coisa útil pela humanidade mas, em vez disto, passa duas horas de filme a lamentar-se por não pilotar um verdadeiro avião de combate!

O realizador opta também por retirar a velocidade de O Senhor da Guerra em troca de uma cadência temporal pausada que reforce os dilemas internos dos personagens (entre as quais a esposa do soldado, vivida por January Jones), mas ficando assim a braços com um filme arrastado, marcado pela repetição de signos visuais (o uso da bebida, o olhar perdido de Egan, os churrascos “idílicos” no quintal) e por intercalações esquemáticas dos dois cenários (a cabine do trabalho e a casa do soldado) com planos aéreos de Las Vegas ao som de rock pesado. Já o velho cinematógrafo dos Lumière volta a transformar-se num veículo de imagens dos satélites, miras telescópicas e visões infravermelhas temperadas por edição de teledisco e acordes eletrónicos numa fórmula que, a despeito da sua eficácia, vai se tornando um cliché.

O MELHOR: há bons momentos dramáticos e, apesar de contraditório, não deixa de propor questões
O PIOR: demasiado arrastado e repetitivo, com um subtexto refém do lugar-comum


Roni Nunes

 

 

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