Quarta-feira, 24 Abril

«Güeros» por João Miranda

Tomas é um jovem adolescente cujas ações levam a sua mãe a sentir que não consegue controlá-lo e, por isso, a enviá-lo para junto do seu irmão na Cidade do México. O seu irmão Federico, também conhecido como “Sombra”, passa os dias no seu apartamento com o seu amigo Santos, sem electricidade e sem objectivo. Estudantes universitários, a ocupação da universidade no que foi uma greve de 11 meses, faz com que o tempo que têm se estenda sem grande propósito, incapazes de se associarem a ela por razões nunca bem estabelecidas.

Aqui começam os problemas do filme. No que se define como um filme político, quer pelos temas que foca, quer pela “tagline” escolhida (uma citação incompleta de Salvador Allende: “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição”, como se pode ver no cartaz e no site), quer pela escolha do preto e branco para filmar, a ausência de verdadeira consciência e mobilização política são preenchidas com preconceitos e imagens do que é ser político ou revolucionário. Essa incapacidade de retratar algo poderá ter a ver com a própria experiência do realizador, mas também com a transformação que ocorreu nos anos 60 em que a revolução começou a ser desviada de algo que se faz e em que se participa para algo que se consome e se representa. Este ponto parece reforçado com o MacGuffin criado para o filme, um músico desconhecido (cujas ligações a Dylan não se limitam ao que é dito no filme, mas também pela relação deste com Woody Guthrie), onde a possibilidade revolucionária de fazer música é substituída pela consumo da sua aura. No final, pode dizer-se que o realizador acaba por fazer mais um retrato da sua juventude, inconsciente (vejam-se as primeiras cenas do filme), apático (como os protagonistas), hedonista, arrogante (vejam-se os momentos em que se quebra o mundo do filme para se fazer uns comentários sobre o próprio) e sem grande consciência política, do que um retrato da greve de 99 e de quem participou nela, como se pode perceber pela recepção por algumas pessoas que nela participaram.

Mesmo o seu final, quando parece que há finalmente um investimento político, este é feito por razões não políticas e, em vez da ação, temos uma paralisia e um consumir da imagem no momento, na fotografia tirada, como se esta pudesse ter a força que falta ao protagonista. Nesse sentido, pode dizer-se que o filme funciona mais como aviso do que como exemplo. Talvez a chave do filme seja a sua cena inicial, onde se mostra a inconsequência das acções de Tomas para com o sofrimento e a situação das outras pessoas e, na realidade, Palacios não quer ser literal, mas por em causa a citação de Allende perante a apatia da juventude.

Se há mérito no filme, é o da imagem. Há uma vontade de experimentar com o meio e com as cenas. Mesmo que nem sempre retrate o que se passe na narrativa de forma realista (há uma cena do que é explicado como ataque de ansiedade que mais parece uma trip de droga, por exemplo), a ambição técnica e estilística faz com que o filme seja pelo menos interessante e que tenha até ganho alguns prémios. Mas um filme não é só a expressão da sua forma (ou corríamos o risco de admirar propaganda política pelo seu estilo) e, neste caso, o seu conteúdo deixa muito a desejar.

O Melhor: A cinematografia.
O Pior: A falsa consciência política.


João Miranda
(Crítica originalmente escrita em abril de 2015)

Notícias