Sexta-feira, 29 Março

«Mekong Hotel» (Hotel Mekong) por João Carpinteiro

Como em O Tio Boonmee…, os fantasmas de Apichatpong entram nos planos de Hotel Mekong sem introdução prévia ou distinção formal. Como no filme anterior, o enquadramento dos fantasmas em planos fixos – de perfil quase documental – motiva a suspensão da realidade inteligível, ao dispor a matéria e o espírito no mesmo plano da existência. Os fantasmas – que em Hotel Mekong são de carne e osso – interagem no plano com as outras personagens, e é dessa interação que nasce o espaço de indistinção a partir do qual o tailandês edifica os seus filmes.

A convivência, no plano, de humanos e fantasmas – ou de matéria e espírito – parece aludir a uma sobreposição de linhas de tempo: Já passaram quase seiscentos anos, diz o fantasma. A relação entre eles – humanos e fantasmas – é ambígua, e é o facto de existir um espaço comum – o Hotel Mekong – que os aproxima. Como em outros filmes de Apichatpong, os fantasmas são propriedade do espaço, e aquilo que os planos captam é a reunião desfasada de duas linhas de tempo nesse mesmo espaço. A imaterialidade dos fantasmas é realçada por Apichatpong através do tratamento do som. As notas de guitarra que ouvimos inicialmente atravessam, tal como um fantasma, todos os planos do filme, conferindo unidade às várias sequências e saltos temporais.

O filme é belíssimo quando consegue coordenar a eloquência dos quadros fixos com a sugestão subtil de uma presença espiritual. Isto é, quando a presença do espírito acorre à imagem sem referência ou enquadramento diretos. Não são tão felizes os episódios viscerais, em que o fantasma materializado devora as entranhas dos humanos. A materialização do espírito retira profundidade às imagens e, nesses planos, tudo se torna menos interessante.

Melhor: A elegância dos fantasmas em plano fixo.
Pior: A materialização dos fantasmas.


João Carpinteiro

Notícias