Terça-feira, 23 Abril

«1 Século de Energia» por Duarte Mata

Haver-se-á, num futuro próximo, de discutir como encaixar 1 Século de Energia na obra de Manoel de Oliveira. Seja o seu filme derradeiro ou apenas o único anúncio que realizou, a sua curta-metragem é, talvez, a obra que melhor espelha o seu filme de estreia Douro, Faina Fluvial. Aqui temos um filme, maioritariamente marcado por planos curtos (tal como nos primeiros anos), com uma preocupação maníaca pela composição do enquadramento (que nunca se perdeu), assim como por retratos realisticamente simples do Homem no meio de um ambiente tecnologicamente progressista enlaçado  com a arquitetura da Natureza.

E, no entanto… há uma tamanha dor que ainda não havíamos experimentado, um sabor amargo de despedida num filme nostálgico que comove sem necessitar da “palavra” que tanto o caracterizou. Logo a começar no material usado. Oliveira escolheu a película, quando havia recorrido com resultados bem sucedidos ao digital nas suas últimas longas-metragens. A maneira como revisita o  D. Quixote de Grigori Kozintsev (que, recorde-se, havia usado em O Velho do Restelo) enquanto filma os moinhos eólicos, reminiscentes dos moinhos de vento dessa mesma versão. Não é só a banda sonora melancólica, nem os poucos planos longos sobre as bailarinas que dançam para uma tela que retoma Hulha Branca (um filme quase rejeitado pelo realizador e pretexto usado pela EDP para a criação deste projeto). É também a forma como a luz de um último crepúsculo incide na câmara e na paisagem que, antes forte, é agora tornada, progressivamente, num cemitério de memórias do cineasta. Nunca saberemos se estas árvores, esta central, este rio Ave terão sido de maior relevância na vida de Oliveira do que a história da herança familiar nos é dada a crer. E ainda bem. Nunca devemos sair com respostas de um filme do cineasta português.

Se O Gebo e a Sombra era o testamento e O Velho do Restelo a última palavra, 1 Século de Energia deverá (como merece) ser recordado como o último suspiro de uma brilhante e frutífera carreira.

O melhor: A nostalgia forte. A surpresa ao reencontramos (parcialmente) um Oliveira que já não víamos desde as primeira obras.
O pior: Nada a apontar.


Duarte Mata

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