Com An (Uma Pastelaria de Tóquio) é impossível negar que Naomi Kawase faz pinturas a óleo com a sua câmara, e tal evidência é-nos demonstrada logo na sua abertura, onde as cerejeiras em flor atribuem às imagens captadas a sua distinta beleza, quase plástica, assim como a sua essência etnográfica. Depois de abranger questões sobre a vida e a morte em A Quietude da Água (presente na anterior edição do Festival de Cannes), Kawase regressa a tais tópicos através da adaptação de uma obra literária de Durian Sukegawa, onde coloca três gerações completamente diferentes a debaterem os seus respetivos papéis na sociedade, e como esperam reintegrar-se nela.

O título da obra advém do recheio dos dorayakis, esse popular doce japonês que serve de ligação para as referidas personagens. Tal como é descrita a sua receita, o filme também contrai um conflito inerente de teor, ora doce, ora salgado. Essa dita doçura contagia e cinicamente nos manipula a amar as suas personagens. Isso é conseguido, eficazmente, sob um toque de inocência apurada. Porém, não se aflijam, de inocente este An nada tem. A verdade é que por detrás de cada gesto de otimismo esconde-se uma crítica subliminar a uma sociedade em evolução, onde o tradicional dá lugar ao moderno, e cujo moderno é isento de alma.

Obviamente existe muito por onde gostar neste novo filme da nipónica: os planos são encantadores e as interpretações são de uma simplicidade afetuosa, mas infelizmente surge um terceiro ato onde a ênfase dramática é aprofundada e adquire um paladar melodramático com os artifícios de “puxar lágrimas” quase próprios de qualquer filme de Hollywood.

Assim, Naomi Kawase conseguiu até um produto “bonito”, nisso não há duvida alguma, mas cuja inocência está apenas à flor da pele. O mesmo se pode dizer da sua suposta simplicidade dramática.