Quarta-feira, 24 Abril

«Chappie» por Jorge Pereira

Não estamos em Detroit, mas parece. O ano é 2016 e devido ao aumento do crime em “Jo’burg” (Joanesburgo), as autoridades sul-africanas encomendam agentes robotizados para travar o crime, colocando a maior parte dos humanos na reserva. Aqui não há protestos ou greves como em Robocop e esses agentes diminuem o crime de forma drástica, mesmo que com isso paguem com a “sua própria vida”, como o 22, o Chappie, que mais à frente falaremos.

Quem ganha com tudo isso é a Omni Consumer Products (OCP) Tetra Vaal, uma empresa de armamento altamente cotada na bolsa e com diversos contratos de fornecimento para mais unidades já agendadas. No meio disto está um grupo de criminosos, onde se incluem Ninja & Yo-Landi Vi$$er – conhecidos pela banda Die Antwoord – e Amerika (Jose Pablo Cantillo). Fartos que esses robôs travem os seus golpes e com um prazo para entregarem 20 milhões de rands a um bandido (que parece um cruzamento entre os vilões de Mad Max com os surfistas/traficantes de Ruptura Explosiva), o grupo crê que existe algum dispositivo que «desligue» os robôs, uma espécie de comando, raptando para isso o criador da tecnologia, Deon Wilson (Dev Patel), um engenheiro que entretanto quer testar um novo firmware que dará consciência a essas máquinas e a oportunidade de sentirem e terem opções.

Assim “nasce” Chappie, um robô mais próximo na sua génese e dilemas ao de Eu, Robot do que ao Murphy de Robocop. Este é o batedor 22, aquele cuja atualização do sistema não é simplesmente um acrescentar de talentos, mas sim uma verdadeira base para suster toda a aprendizagem, seja esta cientifica, moral ou social. Como um bebé, Chappie aprende o que lhe ensinam, apenas muito mais rápido. E tal como qualquer um de nós, ele molda a sua personalidade através dos conhecimentos que adquire por quem está por perto, sejam eles os criminosos ou o seu ingénuo criador.

Assinado por Neil Blomkamp, do fantástico Distrito 9 (alegoria ao Apartheid) e do mediano Elysium (uma lua de classes futurista), Chappie é mais uma incursão na ficção científica que levanta muitas questões e dilemas morais, religiosos (Hugh Jackman até se benze) e sociais (o espaço e quem o rodeia como formador do individuo). Apesar disso, o cineasta prefere passar um pano de superficialidade por tudo e orientar o seu filme mais para a ação e para o sentimento.  Muito sentimento.

É estranho que um filme que lida com a questão Inteligência Artificial (IA)/Humanidade tenha tão pouca cabeça e tanto coração (demasiado). Talvez a razão esteja no facto de o próprio robô funcionar da mesma maneira, ou então porque o argumento foi escrito por um humano com uma visão demasiado concetual e menos crítica para além dos chavões.

Por todo o lado o filme transpira a Joanesburgo e os Die Antwoord são os seus embaixadores, não só pela sua presença em cena, mas também pela estética do próprio filme, sem esquecer as suas músicas, introduzidas no meio de uma sonoridade eletrónica criada brilhantemente por Hans Zimmer.

Quem ganha com isso são os fãs da banda (como eu), mas não em particular o espectador comum ou o cinéfilo que pretenda uma discussão mais elaborada do que está exposto. É que dói ver certas falhas no argumento, bem como momentos em que as decisões e os cortes da montagem parecem ter sido acelerados para que o filme não se estendesse demasiado. Quem sofre com isso também são as personagens, em especial as de Hugh Jackman e Sigourney Weaver, meros bombos para a festa. Lamentável, porque genuinamente sabemos que o filme poderia ter sido muito mais, talvez mesmo um dos melhores do género.

Ainda assim, Chappie é uma experiência próxima do “cinemajacking” e conquista-nos de qualquer maneira pelo seu tom frenético, imparável e humano, superior à maioria dos blockbusters que invadem as salas. Há é que desligar mais o cérebro do que esperaríamos, especialmente vindo de Blomkamp, que claramente ainda não estava preparado para todo o potencial que a história tinha. Estará pronto para Alien?

O Melhor: Trepidante, divertido e emocionante
O Pior: Muito pouca cabeça, emocionalmente roça o cliché (maternidade, solidão, perda) e superficial no debate do dilema IA Vs Humanidade.


Jorge Pereira
(Crítica escrita ao som de Cookie Thumper dos  Die Antwoord)

Notícias