Sexta-feira, 29 Março

«Dying of the Light» (Vingança ao Anoitecer) por José Raposo


Dying of the Light, um thriller de Paul Schrader (Mishima, A Felina) que conta com Nicolas Cage no papel de um antigo agente da CIA obsessivamente empenhado em vingar-se de um muçulmano fundamentalista, que o torturou numa missão que correu mal, estreou envolto em controvérsia.

Descontentes com o resultado final, os produtores decidiram retirar o final cut a Schrader, com o propósito de procederem a certas “correções”. Ao que parece, banda sonora, montagem e cinematografia foram trabalhadas em pós-produção sem o aval do realizador: uma golpada, portanto. Mais uma peripécia na carreira de um realizador que até tem alguma relevância na história do cinema: é dele o argumento de Taxi Driver, e são de sua autoria também alguns dos textos mais interessantes que já se escreveram sobre Carl Dreyer ou Yasujiro Ozu (Trascendental Style in Film a obra em questão, vale mesmo a pena ler).

O principal problema desta nota de rodapé que é Dying ot the Light, é a forma desconexa e atabalhoada com que a narrativa (que nem sequer tem a complexidade que é costume encontrar em thrillers deste calibre) se vai entroncando na raiva e frustração vingativa que consome Evan Lake (Cage). Os flashbacks que dão conta do passado complicado de Lake, e os estratagemas que ele e o seu companheiro (Anton Yelchin) vão desenvolvendo até chegarem ao malvado terrorista, nunca deixam de parecer a caricatura de um videjogo de segunda categoria. Identidades forjadas, tráfico de informação, jogadas políticas: já vimos disto, e melhor. Lake tem um problema grave no cérebro, entrando numa espécie de corrida contra o tempo até que a demência dê cabo do que resta. Schrader (e os outros que se escondem na sombra) não aproveitam a situação da melhor maneira: é um dado que não contribui nada que se veja para o ritmo do filme, que bem se podia servir de mais uma dose de suspense e tensão; tão pouco contribui para dar alguma dimensão simbólica à condição particular de Lake. Na melhor das hipóteses, fica tudo no plano das boas intenções.

Por tudo isto, fica-se também na dúvida se o thriller político que Schrader tinha em mente seria de facto mais agradável do que este resultado final. É que por esta altura, as histórias dos agentes honrados da CIA bem que podem ser vistas como a farsa que na verdade são: podemos bem viver no mundo pós 11 de Setembro, mas pelo meu relógio já são horas de acordar.

O melhor: A performance do actor secundário, Anton Yelchin.
O Pior: A “maleabilidade” da cinematografia digital tem o efeito perverso de facilitar intervenções no aspecto visual do filme.


José Raposo

 

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