No passado festival de Cannes, durante a entrevista para o filme Não, o chileno Pablo Larraín avisara que encerrava a trilogia que dedicara à ditadura de Pinochet, primeiro com Tony Manero, seguida depois por Post Mortem e, claro, por Não. Motivo pelo qual aguardávamos com bastante ansiedade a próxima direção do seu interesse. Depois de ver El Club ficámos a saber resposta daquele que se perfila claramente como o mais forte candidato ao Urso de Ouro.

Uma expetativa que apenas vem confirmar que o cinema mais excitante nos chega daquele país cuja forma alongada abarca perto de quatro mil quilómetros de distância e que nos deu também outro dos melhores filmes da competição de Berlim, El Botón de Nácar, de Patricio Guzman, bem como Gloria, de Sebastian Lelio, um dos melhores momentos de Berlim em 2013, isto para não esquecer também outro Sebastian, o Silva, autor de Nasty Baby, uma fita apresentada este ano na secção Panorama Special. Entre todos subsiste a particularidade de existir uma enorme partilha e colaboração de projetos a diversos níveis onde Larraín e o seu irmão produtor Juan de Dios têm o devido peso.

El Club abre com um grupo de homens, mas também uma mulher, que se divertem numa corrida de galgos e que partilham a mesma casa onde especulam sobre as capacidades do seu ‘campeão’, o Rayo, em conversas amenas acompanhadas por vinho onde se especula o valor do animal bem como o das apostas. Esse grupo de homens é defendido pelas interpretações de Alfredo Castro, uma presença obrigatória nos filmes de Larraín, Jaime Vadell, Alejandro Goic e Alejandro Sieveking, devidamente coadjuvados por uma mulher (Antonia Zegres, esposa do realizador).

Até aqui tudo bem. Mas quando percebemos que este afinal de contas se tratam de sacerdotes, o interesse é reforçado, e ainda mais ao ficar a par das acusações de pedofilia a um deles, descrito de forma detalhada à porta daquela casa por um pobre coitado de nome Sandokan (Roberto Farias) que diz ter sido abusado durante anos. Incapaz de lidar com o vexame, o ‘curita’ aponta uma pistola à têmpora e dispara. Naturalmente, tal episódio traz àquela região remota, bem distante de Santiago, o padre Garcia (Marcel Alonso), com a missão de regenerar essa casa de ‘curas’ afastados da sua missão espiritual por ações menos dignas.

Novas regras passam a entrar nesta casa de ‘retiro’: tolerância zero ao álcool, nada de cães de corridas, oração e penitência. Neste guião original alinhavado pelo próprio Larraín, em parceria com Guillermo Calderon e Daniel Villalobos, debaixo de fogo cerrado fica a santa madre igreja católica no Chile. De facto, um retrato algo sinistro da instituição que esteve também na base da educação de Pablo que recria esta espécie de mosteiro de luxo para proscritos. Mas um clube onde se passa a debater com alguma abertura a forma como é encarado o sexo com homens ou mesmo com crianças ou como a forma como o sexo entre homens pode ser defendido como algo superior ao sexo com uma mulher com fins reprodutores.

Com o evoluir da situação, que inclui mesmo a aniquilação dos cães adversários para garantir a supremacia de Rayo, bem como diversas confissões sexuais embaraçosas, o padre Garcia acaba por ver cada vez mais limitada a sua ação, num retrato penoso da instituição religiosa que sempre dominou o país, mas que nos obriga a uma profunda introspeção.

Não deixa de ser salutar que El Club aborde um tema tão complexo e perigoso com uma salutar aproximação que não está sequer isenta de um sentido de humor sibilino e perspicaz. Até porque esta narrativa incómoda vem envolvida num estilo visual que pôs de lado a alta definição e que impregna um aspeto mais cru e sujo, mas também mais verdadeiro, ao filme, a cargo da fotografia de Sergio Armstrong. O mesmo se diga da acertada seleção musical a cargo de Alvo Part na descrição deste clube muito especial.