Quinta-feira, 28 Março

«American Sniper» (Sniper Americano) por Tiago Figueiredo

Clint Eastwood continua a deixar-se seduzir pela adaptação de histórias reais no cinema. Depois de Invictus, J. Edgar e Jersey Boys, Eastwood conta-nos em American Sniper a história de Chris Kyle, um texano que ganhou a alcunha de “Legend” ao tornar-se o atirador furtivo mais letal da história do exército americano, com 160 inimigos abatidos confirmados.

A narrativa de Eastwood é baseada na autobiografia de Kyle e talvez por isso – arriscamos, já que não lemos o livro – sacrifique o filme nas dimensões políticas e do inconsciente humano que poderia ter interesse explorar.

Kyle aprende a disparar em criança com o pai, na caça, que lhe transmite também uma filosofia de vida em forma de fábula. A propósito de uma confronto na escola primária, onde interveio para defender o irmão de um bully mais velho, Kyle aprendeu a diferença entre ser uma “ovelha”, potencial vítima ao longo da vida, o “lobo”, prepotente perante os outros, e o “cão-pastor”, capaz de proteger o rebanho dos predadores.

Esta ideia transforma-se em obsessão em Kyle, fazendo-o alistar-se no Exército ao ver na televisão os ataques terroristas a embaixadas americanas em África. Kyle aplica assim a perícia no tiro e o profundo sentido de proteção no apoio de missões militares no Iraque, transformando-se rapidamente num símbolo nacional, condecorado e aclamado, fama que lhe coloca a cabeça a prémio nos territórios onde atuava.

Ao longo de quatro missões que decorrem em três anos, dois conflitos paralelos são desenvolvidos. O primeiro com um snipper sírio ao serviço do Iraque, uma assombração competitiva para Kyle que se vê superado e frustrado no instinto de protecção, e um segundo, sempre que regressava a casa, com uma extrema dificuldade em estar presente enquanto marido e pai.

Repetimos: a fidelidade à auto-biografia de Kyle sacrifica o potencial dramático do filme. Seria interessante observar o conflito bélico do ponto de vista dos iraquianos ou mesmo do snipper sírio – seria um outro filme, como Eastwood já fez em Flags of Our Fathers e Letters of Iwo Jima – ou desenvolvendo o olhar da mulher que espera, gesta e cria os filhos e luta por uma harmonia familiar tão tenazmente como Kyle defende o seu rebanho no Iraque.

Seria mais trabalhoso, implicaria todo um novo trabalho de investigação prévio à produção, mas elevaria o filme para outro patamar. Assim, abusando repetitivamente das missões militares limitando-se a cumprir cronológica e geograficamente o percurso de Kyle, sai-se da sala com a sensação de ter visto apenas uma pequena e limitada parte da história.


Tiago Figueiredo

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