Sexta-feira, 29 Março

«The Imitation Game» (O Jogo da Imitação) por José Raposo

The Imitation Game aborda um dos contributos mais importantes para a vitória dos aliados na Segunda Guerra, apresentando com algum detalhe as circunstâncias que levaram à descodificação das comunicações nazis.

Alan Turing (Bennedict Cumberbacht), o brilhante matemático britânico responsável pela proeza, é o centro do filme, uma produção britânica com valores irrepreensíveis na atenção dedicada à reconstrução dos hábitos e costumes da época; é um biopic que nos propõe um Turing icónico, “posterboy da awakerdness”, caindo com frequência na previsibilidade rotineira de alguns dos clichés associados à representação da genialidade no cinema. Cumberbacht, a avaliar pelos seus papéis recentes em que dá corpo a personagens enigmáticos e sempre um passo à frente dos seus pares (Julian Assange; Sherlock Holmes), é o protagonista de um filme construído à sua volta. Há algum interesse em ver um ator com carta branca para fazer aquilo que quer, ainda que no caso de Cumberbacht isso resulte sempre numa panóplia de maneirismos pouco subtis. Tudo isto para dizer uma coisa muito simples: “The Imitation Game” é um filme pensado ao milímetro para fazer boa figura na próxima cerimónia dos Óscares.

Morten Tyldum, realizador norueguês que tem aqui o seu primeiro filme em língua inglesa, divide a narrativa em três grandes períodos que se vão intercalando para apresentar alguns dos eventos mais marcantes na vida de Turing, um homem muito mal tratado pela história e pelos homens do seu tempo. Foi vítima do conservadorismo nefasto do sistema judicial britânico do pós-guerra, que não pensou duas vezes em punir cruelmente a sua homossexualidade. O período de maior interesse é mesmo aquele em que Turing trabalhou em Bletchley Park, a base de operações destinadas à descodificação do “Enigma”, sistema de encriptação de mensagens utilizada pelo Eixo na coordenação dos seus ataques e movimentações.

O que é surpreendente é que o filme nunca cumpra verdadeiramente com a sua promessa de querer ser um filme-puzzle sobre um puzzle. Faria todo o sentido, e é mais ou menos isso que se espera de um thriller histórico baseado na vida de Alan Turing. O monólogo de abertura, em off, lança um desafio mais ou menos explícito: “eu sei mais do que vocês, portanto o melhor que têm a fazer é prestar muita atenção“. Mas esse desafio nunca chega a ser concretizado e o filme acaba sempre por deixar pouca margem para o espectador entrar no filme: quando damos conta já está tudo esclarecido. A insistência de Tyldum na explicação de algumas das implicações relacionadas com a decriptação do Enigma é de uma monotonia fatal. Acaba ali o thriller, fica um biopic de encomenda.

Apesar de tudo há alguns pontos de interesse, que acabam por justificar o filme: a máquina que Turing ajuda a conceber para quebrar o código é um resquício de um certo tipo de cinema, que em tempos mais recentes tem dado lugar a jogos de aparências plásticas e pueris. É uma peça central para o filme e é interessante reparar na forma como a máquina toma conta de todo o espaço.

Nos momentos em que Turing e a sua equipa de cientistas (Keira Knightley e Mathew Goode) começam finalmente a dar conta do recado e colocam a máquina ao serviço da implacável matemática, há um vibrante entusiasmo que nos recorda a loucura de Frankenstein e da sua criatura. Um dos momentos em que Cumberbacht dá mais nas vistas (e estamos a falar de um actor que passa o tempo todo a chamar atenção para si próprio), dá mesmo a sensação de ter sido inspirado nos maneirismos de Colin Clive, o célebre cientista do Frakenstein de James Whale (papel que o actor já representou numa peça de teatro encenada por Danny Boyle).

O melhor de The Imitation Game está também na forma como demonstra a importância do contributo de Turing e da sua equipa para a vitória aliada na Segunda Grande Guerra, que no que diz respeito a representações no cinema tem estado demasiadas vezes associada à supremacia bélica.


José Raposo

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