Sábado, 20 Abril

«Tangerines» (Tangerinas) por Fernando Vasquez

Em 2001 o realizador Danis Tanovic lançou uma obra arrojada que desmascarou muitos dos mitos do conflito na ex-Jugoslávia. Com Terra de ninguém, o cineasta foi capaz de por dois inimigos lado a lado de forma a salientar os contrastes e o inevitável apaziguamento dos seus ideais após alguma convivência.

Doze anos depois, o cineasta Georgiano Zaza Urushadze apresenta uma proposta muito idêntica mas não menos eficiente. Tangerines leva-nos até ao ano de 1992, onde após a queda do regime comunista várias pequenas regiões iniciaram conflitos independentistas. Um desses casos foi o da Abecásia, na costa leste do mar negro, uma região que sobreviveu a um conflito étnico implacável com várias ramificações geopolíticas.

Ao contrário de grande parte da população local, Ivo e Markus, dois idosos de descendência Estoniana, ficaram para trás, passando os seus dias a recolher tangerinas de forma a juntar fundos suficientes para a inevitável fuga.  Quando a guerra chega literalmente à porta de sua casa, dois soldados inimigos aparecem feridos. Sem grande alternativa decidem acolhe-los, iniciando assim um dialogo que opõem dois inimigos limitados a uma guerra de palavras, mas que na realidade não são assim tão diferentes.

Se é inevitável não reconhecer que a história pouco tem de novo, o mesmo não se pode dizer em relação ao processo. Apesar da dureza do tema, o humor é uma constante, ao mesmo tempo que existe uma sensação de risco omnipresente, forçado pela guerra que não cessa no exterior.

A subtileza de Zaza Urushadze, realizador e argumentista de Tangerines, é mais que evidente, sendo capaz de humanizar duas personagens que aparentemente são incapazes de reconhecer qualquer direito ao inimigo.

Dito isto, as fragilidades da película são também elas demasiado evidentes, particularmente em relação ao código moral deveras simplista e ao final obvio incapaz de reservar qualquer surpresa, resultando num filme que para alguns será uma significativa revelação, mas para outros, em particular para os admiradores de Tanovic, será pouco mais do que uma continuação da sua grande obra-prima.

Mais significativo que o próprio filme, foi o impacto que teve na industria internacional de cinema. Esta produção maioritariamente Estoniana tem um claro sabor ao novo cinema da Georgia, que a par de sucessos estrondosos como Corn island, de George Ovashvili,  In bloom, de Nana Ekvtimishvili ou Blind dates, de Levan Koguashivili, funcionou como um despertar para o que se passa na região. Nesse aspeto, Tangerines revelou-se gigante, tornando-se assim numa obra obrigatória, simplesmente por ser uma janela para umas das mais impressionantes e inesperadas correntes cinematográficas dos últimos anos.


Fernando Vasquez
(Crítica originalmente escrita em dezembro de 2014)

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