Quinta-feira, 25 Abril

«Winter Sleep» (Sono de Inverno) por Duarte Mata

Há muito que Nuri Bilge Ceylan ameaçava e por fim aconteceu: o seu mais recente filme, Sono de Inverno, foi o vencedor da Palma d’Ouro na passada edição do Festival de Cannes.

Ao longo das suas mais de 3 horas seguimos as dificuldades de Aydin, um “homem do palco” reformado agora dono de um hotel (cruelmente chamado de Othello) na Anatólia. É inverno, os clientes são escassos, sofreu um atentado, a irmã critica-o e a esposa, ingénua e muitos anos mais nova, vê o seu casamento como um fardo.

A exploração das dificuldades matrimoniais já não são novidade no registo do realizador (e o seu extraordinário Climas é talvez melhor nesse aspeto), mas, o triunfo do filme reflete-se no argumento co-escrito por Bilge Ceylan com diálogos profissionalíssimos, envolvendo Aydin e os vários conflitos, quase constantes, com outras personagens. A maneira como o cineasta filma permite ainda saber quem sai vitorioso dos mesmos. Senão, vejamos a cena em que o protagonista discute com a irmã sobre o valor do seu trabalho: quato planos entrecortados entre si, onde os dois primeiros são médios mostrando, respetivamente, a irmã a atacar com comentários e em contracampo as costas do irmão a ouvi-los; segue-se um contra ataque em grande plano por parte do irmão, justificando-se e humilhando a irmã, finalizado ainda com um plano médio envolvendo ambos em silêncio, como se estivessem a absorver o que outro dissera momentos antes. Até recomeçar tudo outra vez.

Há um certo tom renoiriano no enredo: como se diz em A Regra do Jogo, “toda a gente tem as suas razões” e por isso, nesta obra, o protagonista desperdiçou a sua juventude a trabalhar, a esposa sente-se uma parasita e a irmã quer abandonar a sua família. Mais do que isso é a maneira característica do realizador em filmar os exteriores, num lirismo invernal e romântico descrito por enquadramentos com personagens silenciosas percorridas pela neve turca. Shakespeare é invocado e adaptado (traços de Rei Lear e de Macbeth quando Aydin exclama “Embora o meu reino seja pequeno, eu sou rei“) para as paisagens álgidas que Tchekov ou Dostoievsky descreveram (a culpa e a redenção são outros dos temas abordados).

No entanto, Sono de Inverno não se deixa de sentir longo e com um desfecho esperado nalgumas das cenas, poucas vezes surpreendendo ou justificando o palmarés que acabou por conquistar. A originalidade é pouca e não garantimos que esta seja a obra-prima do cineasta turco. Qualidade que, francamente, Cannes preocupa-se cada vez menos em premiar.


Duarte Mata

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