Sexta-feira, 29 Março

«Clouds of Sils Maria» (As Nuvens de Sils Maria) por Jorge Pereira

Em 1985, Julliette Binoche tinha o seu primeiro grande papel como protagonista em Encontro, um filme de André Téchiné, co-escrito por Olivier Assayas, o realizador deste Sils Maria, que na época dava os primeiros passos no cinema propriamente dito e ainda trabalhava como crítico para a Cahiers du Cinéma (1980-1985).

Quase trinta anos depois, o francês requisita Binoche para um drama que reflete sobre a vida dos atores, as suas inseguranças, o envelhecimento e a forma como os seus primeiros papéis moldaram a sua forma de ser e as decisões que tomaram ao longo das suas carreiras. Aqui Binoche é Marie Enders, uma atriz que vinte anos depois de protagonizar uma peça de grande sucesso – Maloja Snake – é convidada para a voltar a encenar, mas agora não no papel da mais jovem de duas mulheres numa relação, mas sim a mais velha. Consciente do que essa peça e aquele papel a marcou, até porque sempre se sentiu muito próxima à personagem a que deu vida, Maria mostra-se muito renitente em aceitar o trabalho, particularmente porque ao assumir a nova personagem assume o fim da juventude e terá agora de dividir o palco com Jo-Ann Ellis (Chloë Grace Moretz), uma problemática jovem estrela de filmes baseados em banda-desenhada que faz a capa de diversos tablóides devido ao seu comportamento imprevisível e irascível

A acompanhá-la sistematicamente nas decisões está Val (Kristen Stewart), a sua fiel assistente que a vai ajudando a gerir a sua carreira. É notória a química entre as duas, que vai muito além de uma mera relação laboral. De certa maneira, a relação do duo até se adapta a Maloja Snake, mostrando claramente uma dependência. É que Val é também a sua confidente, parceira de copos e a pessoa que a vai modernizando em relação a novas tendências. É ela que ajuda Marie nos ensaios, sendo muito frequente o espectador assistir aos mesmos e confundir se está realmente a ver uma interação/discussão entre as personagens da peça ou entre as pessoas reais, Marie e Val. Assim, o real e o encenado entram numa verdadeira metamorfose, bem como a atriz e a pessoa que a interpreta. Há algo de A Máscara, de Bergman, aqui.

Para além disso, quando falamos de envelhecimento pessoal na personagem de Marie, não nos restringimos a uma componente física, mas também a uma maturidade e gosto adquirido ao longo dos tempos que torna difícil aceitar certas tendências das novas gerações. Um dos melhores exemplos no filme é quando Marie e Val vão ao cinema ver uma espécie de X-Men que é protagonizado por Jo-Ann. E embora tenhamos consciência, nesse filme dentro do filme, que as atuações não são más, todo o cenário à volta parece-nos tão bizarro e pateta que nos afasta do gosto desta nova geração. Outro bom exemplo é o afastamento de Marie da cultura das celebridades na atualidade. Não é inocente uma referência que Assayas faz a certa altura ao TMZ, um site que, quer queiramos, quer não, levou a imprensa cor de rosa para um outro patamar de intrusão e de rapidez de procedimentos (20 minutos depois da morte de Paul Walker já estavam online fotos do carro em chamas).

Com isto, o filme vagueia assim entre uma espécie de conflito de gerações dentro do mundo dos atores e do cinema, mas também a nível pessoal na figura de Marie Enders, uma mulher que teme assumir um novo papel que poderá influenciar o seu futuro, tal como o primeiro o fez. Por outro lado, é curioso como este Sils Maria saiu no mesmo ano que Mapas para as estrelas, de David Cronenberg, filme com o qual partilha alguns pontos, mas que segue em direções opostas e até os resultados diferem. A obra de Assayas é muito mais subtil e eficaz na exploração das relações femininas presentes em cena e nos inevitáveis conflitos de gerações.

Uma última nota para as prestações do elenco. Todas as principais figuras cumprem exemplarmente os seus papéis, surgindo também nessas interpretações diferentes formas de atuação ligadas às próprias gerações. A uma Binoche mais naturalista e clássica na sua expressividade artistica responde uma Stewart mais espontânea e uma Moretz que muitas vezes toca no excêntrico.


Jorge Pereira
(Crítica originalmente escrita em dezembro de 2014)

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