Sábado, 20 Abril

«Jessabelle» (Jessabelle: a Revolta do Espírito) por José Raposo

Kevin Greutert é sobretudo conhecido pelo seu envolvimento na franquia Saw, filmes que devem grande parte da sua popularidade pela forma como jogam com as expectativas de um público adolescente pouco habituado à experiência do horror. Jessabelle: A Revolta do Espírito distancia-se de forma marcada desse imaginário (gore, gore, gore), dando ares de ser um filme que se posiciona perante o horror (enquanto género) a partir de uma mise en scène mais voltada para a contemplação de atmosferas misteriosas e próximas do suspense do que propriamente empenhada na intoxicação do espectador em função da exibição do degredo sanguinário da tortura. Ainda assim, o resultado é mais ou menos o mesmo: uma nulidade.

No centro do filme está um segredo familiar enterrado pelo passar dos anos, cabendo à protagonista uma postura pretensamente heroica de confronto com o seu passado oculto. Jessabelle (Sarah Snook) regressa à sua terra natal, no sul norte-americano, após um violento e trágico acidente, e é nesse estado de fragilidade e desorientação que as coisas começam a dar para o torto. A sua noção de realidade vai-se vai esgotando à medida que se aproxima do abismo da loucura e é seguindo essa trajetória profanadora do real que o filme lá vai erguendo o seu programa de suspense, recorrendo a estratégias tão mastigadas que dificilmente conseguirão assombrar ou surpreender mesmo o espectador mais distraído.

Um exemplo: pouco tempo passado do seu retorno à casa de família no Lousiana, Jessie descobre uma cassete VHS com umas gravações da sua falecida mãe. A banalidade de uma descoberta daquelas já não deixa ninguém de pé atrás, tal não é a previsibilidade da situação: mensagens misteriosas e de significado evasivo, intuição de presença de forças sobrenaturais, e mais alguns sintomas típicos de uma imaginação pobre e muito limitada – está ali tudo, em grande número e em excesso entediante.

Não surpreende, portanto, que o filme nunca chegue verdadeiramente a ganhar forma e nunca se consiga desenvencilhar dos limites impostos pela lógica de uma produção que não tem sequer um único pingo de inspiração. Nas poucas oportunidades que o filme ainda tinha para poder apresentar uma outra imagem capaz de lutar por um lugar na memória do espectador, que são justamente os momentos passados num exterior com uma beleza natural capaz de vingar a cegueira imaginativa de Greutert, o que antes era francamente mau consegue ser ainda pior. O conservadorismo racista com que se coloca em cena um casal de negros que mais parecem vir de uma caricatura de mau gosto e a infeliz representação de umas macumbas obscuras que se fazem passar por voodoo são um exemplo claro daquilo que pode acontecer quando realizador não tem verdadeiramente uma única ideia na cabeça.

O melhor: Com uma boa vontade muito caridosa, aproveita-se uma cena em que a protagonista conta um pesadelo que a tem perturbado de forma recorrente (numa sequência muito mal roubada ao Mulholland Drive do David Lynch, sublinhe-se).

O pior: A visão do cinema de horror que Greutert transporta para todos os seus filmes: vazia, banal e sem imaginação alguma (e a dimensão onírica da imaginação é do mais interessante que o género tem para oferecer). 


José Raposo

Notícias