Não é nenhum erro afirmar que Variações de Casanova é um híbrido entre duas artes (uma delas pura, outra, citando João Botelho, “vampírica“) e não o banalíssimo título recorrente de “teatro filmado“, ao mesmo tempo que se concentra como uma filosofia da eternidade de uma figura romanesca, talvez o último da sua espécie, o libertino e sedutor Giacomo Casanova (1725 – 1798).

Filmado totalmente em Portugal, esta produção de Paulo Branco remete-nos a um mundo metafisico, um “faz de conta” quanto às realidades expostas. Derivado a isso, é constante o desafio ao espectador de integra-las, ou seja, por momentos encaramos a peça (a Ópera de W. A. Mozart, adaptada do livro A História da Minha Vida – do próprio Casanova), noutros vivemos a história da peça e depois há ainda a realidade que engloba essas mesmas duas realidades. Esta “trilogia” é disposta a uma matriz narrativa que tanto invoca a essência dramaturga como o misticismo da ópera. Mas o austríaco Michael Sturminger opera como o elo mais fraco, não conseguindo totalmente cativar a audiência com a sua câmara e perspetiva. Por outras palavras, o artificialismo de As Variações de Casanova é diversas vezes abalroado com uma constantemente tremida e irrequieta câmara que assenta ocasionalmente numa crueza técnica.

No centro desta utopia, encontramos a estrela – John Malkovich – que se deixa à mercê da maré destas realidades expostas. Se por um lado ele é o próprio e ninguém recusa a proposta (vem-nos à mente Quem Quer Ser John Malkovich?), simultaneamente o ator figura-se perfeitamente na pele de Giacomo Casanova, mas dotado somente pela sua automatização egocêntrica, que funciona, aliás, não como um desempenho transcendente e trabalhado, mas por fazer-nos acreditar numa eventual encarnação (ou reencarnação). Como o seu alicerce está Veronica Ferres, a frígida capa da tragédia pessoal, que exerce as tarefas de o Fantasma do Passado de Charles Dickens, em relação ao nosso multi-identitário protagonista.

As Variações de Casanova é uma proposta desafiante de cinema, um recuo a uma das suas origens lado a lado com a inovação narrativa e de metamorfose fílmica. John Malkovich é o rei deste mundo, ou diríamos antes, a viva alusão de Casanova, a dissecação de uma personagem imortalizada ao mesmo tempo que se enquadra na condição de ator.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
Paulo Portugal
casanova-variations-variacoes-de-casanova-por-hugo-gomesO melhor - John Malkovich e o entrelançar de dimensões narrativas / O pior - a câmara de Sturminger contraria o artificialismo deste híbrido teatral.