Sexta-feira, 29 Março

«Interstellar» por Roni Nunes

Christopher Nolan revolucionou os blockbusters ao introduzir no universo do entretenimento juvenil das sagas de super-heróis elementos de fundo metafísico e social. Para além disto, a sua intricadíssima história de A Origem foi um dos maiores sucessos comerciais de 2010. A partir daí, espera-se com alguma expectativa o que sairá do encontro da monumentalidade de Batman com os universos espantosos e pitorescos próprios das space operas.

Tudo começa sob a poeria distópica de um futuro indeterminado, de caráter tão vago quanto a ameaça ao futuro da humanidade – representada apenas por inexplicadas nuvens gigantescas de poeiras. Neste universo habilmente tornado claustrofóbico pela técnica do cineasta, outra asfixia está em curso – a do interior dos protagonistas.

O principal deles é ex-aeronauta Cooper, agora reduzido a agricultor (“o pós-computador é o neoprimitivismo“, já dizia o pioneiro da música futurista Ralf Hutter) num mundo onde os engenheiros não são mais necessários. Com ele vive o sogro (John Lithgow), o filho mais velho (Timothée Chalamet) e a sua filha (McKenzie Foy) – que também se revelará inteligente demais para o mundo que a cerca. A oportunidade de reabilitação da imaginação e do caráter explorador de Cooper virá quando surge uma expedição aos confins do universo para tentar achar novos mundos habitáveis para uma humanidade moribunda.

Na procura por aquilo que caracteriza os grandes filmes de ficção científica de sempre, Nolan sai em busca de aventura, dramas humanos, paisagens colossais e questões metafísicas. Com o rigor do costume, a sua direção sustenta uma obra austera, que nunca perde a sua seriedade intrínseca e que vai evitando diversos (não todos) os clichés do género.

Todavia, neste percurso, vários problemas vão surgindo. O maior deles é a forma desinspirada com que os personagens são postos em cenas de ação sem impacto dramático – incluindo as longas sequências de resolução do conflito que, para além do mais, chegam demasiadas vezes perto do limite da credibilidade ao pôr os seus protagonistas diante de desafios humanamente impossíveis de resolver.

Ao mesmo tempo, logo vai se tornando claro que as possibilidades de deslumbramento no espaço serão bastante reduzidas depois que Alfonso Cuarón parece ter encerrado o assunto com o seu Gravidade (note-se ainda a pálida aproximação de Interstellar a genial edição sonora, com seu jogo de ruídos e silencio, do filme de Cuarón). Mas há uma lição maior que um excessivamente autoconfiante Nolan podia ter aprendido com o mexicano: enquanto este último reunia um poderoso concentrado de nitroglicerina emocional em uma hora e meia, aquele estica o seu filme por desnecessárias três horas que lhe retiram muito do impacto.

É na simplicidade comovente de um Contato, cuja confluência com este dá-se no mesmo arquétipo familiar (a relação pai-e-filha, onde a mãe está ausente) e no final igualmente com uma dimensão etérea, que Nolan vai achar o melhor deste Interstellar e mudar a sorte do jogo. Se as possibilidades de viagens no tempo e da quinta dimensão sugerem questões instigantes em si, é na força das relações humanas e quando Hans Zimmer presta mais um grande serviço à humanidade que este filme sai do “mero” registo perfecionista e algo pretensioso para ganhar outra dimensão – a dos sentimentos intangíveis.


Roni Nunes

Notícias