Sexta-feira, 29 Março

«La Chambre bleue» (O Quarto Azul) por Hugo Gomes

É certo que a mais acessível escapatória de uma rotina é criar outra rotina, um conjunto de rituais sistemáticos que se tornaram parte do dia a dia de Julien (Mathieu Almaric). Contudo, as amarras com a rotina anterior são demasiado fortes, ou Julien demasiado fraco para finalmente desprender se e aceitar as suas escolhas. Baseado num livro policial de Georges Simenom, O Quarto Azul marca a quarta longa-metragem realizada pelo ator Mathieu Almaric(para além disso, tem aqui um dos seus melhores desempenhos), uma prolongação de um pesadelo passional que adquire através de uma narrativa desfragmentada e misteriosa, contornos burlescos e de uma certa e negra ironia.

A história que surge inicialmente, e de importante cadência, é um quarto azul de hotel, que aqui é mais que um cenário. É um elo de cumplicidade entre as duas personagens; Julien e Esther (Stephanie Cleau), ambos sujeitos respetivamente casados mas obsessivos em saciar uma atração de adolescente. O resultado é um adultério metódico, conduzido por sinais e de uma discrição exemplar. Porém, algo acaba por correr mal. Os primeiros minutos de fita não escondem o conflito que se avizinha – Julien é acusado de matar a sua própria mulher, a fim de ficar com a sua amante, mas o nosso protagonista proclama a sua inocência, mesmo que os indícios apontem noutra direção.

O Quarto Azul não se expõe como um thriller passional ao jeito de Atração Fatal, de Adrian Lyne. Ao invés disso, temos um filme não convencional que “brinca” com a própria disposição narrativa e com a consciência das suas personagens e com isso com o constante julgamento do seu espectador. O quarto azul do filme torna-se assim num local de crime, numa metáfora envolvida em vórtice que aprisiona todos em seu redor. Se o livro em si é misterioso e atmosférico, o filme de Almaric respeita essa aura incógnita, mas infelizmente a atmosfera parece ter ficado à porta dos propósitos do ator agora convertido em autor, sendo que a sua maioritária preocupação é sob material vencido em Cinema: vergar uma visão masculinamente perturbadora.

Aliás, O Quarto Azul é um filme que se preza pelo respeito tremendo que tem pelas mulheres, salientando o seu intelecto, perseverança, perceção e no poder que possuem sobre os homens, estes cada vez mais vistos na sociedade ocidental como o “verdadeiro” sexo fraco.

O melhor – um filme tão aterrador para homens, como respeitoso para as mulheres
O pior – falta-lhe atmosfera


Hugo Gomes

Notícias