Quinta-feira, 18 Abril

«Bande de Filles» (Bando de Raparigas) por Hugo Gomes

Em Spring Breakers, de Harmony Korine, existiu uma sequência musical ao som de Britney Spears e o sua deprimente Everytime, uma melodia demasiado deslocada da intriga mas cuja sua estranheza fugiu dos contornos risíveis que se avizinhara. Em Bande de Filles encontramos algo semelhante, com Spears a ser substituída por outra “rainha” do mesmo ramo, Rihanna e o seu Diamonds que protagonizam uma das cenas mais vibrantes e impressionistas deste conto pastiche cuja distopia é ser contada no feminino.

A realizadora Céline Sciamma (Water Lilies) expressa o seu “girl power” com este rotineiro enredo de gangues de bairro e opressão social, mas a perspetiva é outra, como também a protagonista – Marieme (Karidja Touré). Ela é uma rapariga que vive num bairro social, desiludida com a sua família, com o rumo da sua vida e com o ambiente escolar e que encontra a escapatória num bando de raparigas rebeldes, temidas e, de certa forma, marginalizadas. A forma como Marieme integra neste grupo é subtil e sob um jeito natural para com a narrativa. O mesmo se indicia com a crescente química entre a nossa protagonista e a líder deste “bando de filhas”, a magnética Lady (Assa Sylla).

A jornada deste quarteto de “giras e terríveis” é ditado por uma compaixão partilhada pela autora. Nunca, em momento algum, ela julga as suas personagens e os seus atos e, ao invés do rumo que previsivelmente este tipo de histórias tende a seguir, é acrescida de uma afinidade com os diferentes membros e não uma repudia moral e politicamente correta. Tudo isto torna Bande de Filles detentor de uma primeira parte formidável, um hino à rebeldia adolescente, ao espirito noviço vivo e respeitado com um toque feminista bem apresentado neste panorama social.

Contudo, é com a chegada de uma das decisões cruciais da personagem principal que a fita de Céline Sciamma segue um diferente trilho, o caminho até agora evitado é recorrido sob “quatros mãos”. A obra transforma-se, então, numa coletânea de lugares-comuns. A rotina inserida num olhar contemplativo a um futuro isento de promessa e a invocação de moralidades já descritas neste tipo de filmes o tornam num descarrilamento narrativo e das “juras” iniciadas quebradas com cedência da autora. Prometia muito, mas Bande de Filles acabou por consolar como um exercício de forte sopro inicial, progressivamente anunciado pela degradação social como desculpa fílmica na segunda parte.

O melhor – A primeira parte, a sequência “orquestrada” por Rihanna
O pior – a segunda parte, o final


Hugo Gomes
(Crítica originalmente escrita em outubro de 2014)

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