Quarta-feira, 24 Abril

«Pasolini» por Hugo Gomes

Pier Paolo Pasolini referiu que para conseguir alcançar a sua liberdade, utilizava o cinema como meio de penetração numa sociedade rígida e, segundo pelo próprio, hipócrita e intolerável. Por sua vez, Abel Ferrara usufrui da “máscara” de Pasolini para tecer uma venenosa crítica à burguesia e todo o resto que se encontra a 180º graus. Se, por um lado, o realizador italiano é um exemplo das famosas palavras do dramaturgo brasileiro, Dias Gomes, que disse que “toda a gente nasceu para provocar“, por outro, Abel Ferrara é um oportunista que provoca sem impacto e que necessita de outras figuras para tornar viável esse seu gesto. 

Talvez seja por isso que Pasolini (filme) nos soa como um trabalho desleixado, feito mais com o intuito de “chatear alguém” do que meramente criar um tributo a tão incontornável cineasta e poeta, cujos filmes, mesmo filmados há mais de 40 anos, evidenciam modernidade com o passar dos anos. Primeiro, porque Pasolini foi um genuíno na sua área, um marginalizado que encontrou o seu lugar na sociedade e cujos seus pensamentos continuam vivos e seguidos pelos seus colegas que o sucederam. Mas Ferrara não se preocupou com isso, transfigurando a figura a si em um artista presunçoso que é gay e vitima dessa orientação sexual. 

O filme acentua nesse pormenor e, em função disto, estabelece o seu catalisador narrativo, como se isso fosse ainda motivo de choque, presumindo que há 40 anos tais elementos homossexuais seriam provocadores. Depois surgem os ataques forçados, como se Abel Ferrara se expressasse ao invés de Pasolini. Aliás, existe mais de Ferrara na essência desta obra que propriamente o “fantasma” do realizador de Saló ou Os 120 Dias de Sodoma.

Willem Dafoe, um dos mais assíduos colaborares de Ferrara nos últimos anos, enverga então a pele do mencionado num desempenho automático. Há indícios de que a escolha do ator para o papel foi por vias da sua aparência física, demasiado idêntica à personalidade apresentada. Mas a verdade é que com a entrada de Willem Dafoe surge outra grande desvantagem, a linguagem. O inglês encontra-se bizarramente presente como língua original do realizador italiano (provavelmente para facilitar o trabalho de Dafoe), enquanto que o italiano (a sua língua-mãe) é exposto como um secundário, esta constante transição de dialetos auferem artificialidade a um filme que forçadamente solicita seriedade.

Provavelmente é isso: falta rigor e menos “palhaçadas” por parte de Ferrara. Pasolini necessita integridade e provocação, mas tal não consegue. O que alcança é, e voltando ao primeiro ponto do texto, um autêntico “baile de máscaras”, um “maravilhoso” mundo do faz-de-conta.

O melhor – O percurso do filme em festivais de cinema e no cinema em geral irá reancender a chama do trabalho concretizado por Pasolini.

O pior – o filme em si, não fazendo jus à figura de tributo. Pasolini é um objeto artificial, sem alma, emoção ou objetividade crítica.  


Hugo Gomes
(Crítica orginalmente escrita em setembro de 2013)

 

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