Sejamos claros, ver Scarlett Johansson chegar aos 100% do que quer que seja é sempre algo digno de apreciação. Até porque dificilmente a inegável componente de talento aliada à sua estampa física raramente nos deixa ficar mal. Já a Besson reconhecemos-lhe inegáveis qualidades técnicas e o domínio do género de ação, ainda que nem por isso nos impressione a sua verve como argumentista. Em Lucy injeta aos aparatosos efeitos especiais uma pouco credível trama espiritual e filosófica destinada a acrescentar uma nova heroína armada ao seu já generoso elenco. Pena é que se exceda em ambos os campos e desbarate assim ambos os filões.

Mesmo assim é para Scarlett que sempre olhamos, convencendo-nos aqui no papel de estudante em Taipé envolvida com as pessoas erradas e que acaba mesmo por ser forçada a entregar uma mala suspeita a um gangster coreano e carniceiro, um tal Mr. Jang, defendido com gosto por Choi Min Sik (Oldboy). O mesmo que a obriga a colocar no estômago um saco com uma droga potente, com vista a coloca-la fora do país. O problema é que saco rompe-se acidentalmente libertando o seu potente produto para o organismo de Lucy.

Paralelamente, o sempre credível Morgan Freeman, no papel de cientista da Sorbonne, elucida-nos sobre as potencialidades do uso do cérebro humano, demonstrando que a partir do tal mito dos 10%, os seres humanos depressa adquirem poderes sensoriais, chegando mesmo a tocar o sobrenatural e ir mesmo mais além.

A ideia que subjaz ao embrião da história até teria o seu interesse, não tivesse a premissa de usar os 100% do cérebro já usada com eficácia no thriller de ficção científica Sem Limites, de 2011, em que Bradley Cooper se converte num ser iluminado ao consumir uma droga que lhe dá essa inspirada euforia. Ainda que a mesma não passe, afinal de contas, de um mero mito urbano.

Seja como for, é nesta espiral que assistimos à radical jornada de Lucy no uso total das capacidades da sua massa cinzenta. O que começa por controlar pessoas, colá-las ao teto, conduzir carros para além dos limites, passa também, num estádio mais adiantado de absorção, a fundir-se com a divindade assumindo a forma de um computador orgânico…

Mesmo se existissem dúvidas, Luc Besson demonstra-nos uma vez mais que domina o uso da câmara ao ombro e a gestão alucinante da ação, sublinhada em aparatosas perseguições com carros a rodopiar pelo ar e uma eficaz combinação dos efeitos especiais visuais. Pena é que seja incapaz de travar a sua megalomania e teimosia.

Ainda assim, Lucy marca pontos na sua galeria de filmes de ação, em particular Nikita e León, mas também O Quinto Elmento, e não esquece sequer uma piscadela de olho à filosofia ‘new age‘ vigente na trilogia de animação Artur.

Quanto ao rigor ou lógica, percebe-se que o francês se está positivamente a marimbar. O que faz é visionário e enche-nos o olho, ainda que peque por desarticulado e incoerente.

Para a história fica o que Besson e a EuropaCorp souberam fazer com os anunciados 40 milhões de dólares, o que, diga-se, supera o que muitos realizadores americanos conseguem com o dobro. Pena é que Lucy seja um filme que se perde na mesma proporção em que aumenta a percentagem de capacidade cerebral de Lucy. Ou seja, um filme sem limites…