Dizem as más línguas mais esotéricas que durante a rodagem de O Homem Mais Procurado, Philip Seymour Hoffman sentia estar cada vez mais próximo da morte, oferecendo assim uma certa aura sombria e amargurada à sua personagem.

Enfim, longe desse efeito sobrenatural que a obra parece ter adquirido com a morte prematura do galardoado ator de Capote, é bem verdade que o seu desempenho, como um espião alemão que vê num imigrante checheno a oportunidade de capturar um cobiçado terrorista, é notável e provavelmente um dos melhores que o ator nos deu durante a sua invejável e diversificada carreira.

Esta afirmação poderá soar como um exagero e até mesmo influência do triste fim do protagonista, mas Hoffman interpreta-a com a sua habital capa camaleônica um frio e desapontado espião de John le Carré (o mesmo autor do elegante e elogiado livro A Toupeira, também ele convertido a produção cinematográfica). Este é um homem vicioso em fracassos que tenta provar, por uma última vez, a si e a não só, que é capaz de triunfos e muito mais – em confiar em alguém. Tal como qualquer conto de Le Carré, a confiança é a base de toda a intriga, mas também o seu ponto mais frágil, sendo constantemente questionada. Com uma astúcia invulgar mesmo para o imaginário da espionagem, O Homem Mais Procurado é servido por uma ambiguidade sem igual, onde um universo povoado por personagens sinistras é constantemente desafiado.

Todo este jogo calculista poderia soar como qualquer episódio de James Bond e seus congéneres, mas o filme de Anton Corbijn possui uma paciência cuidada e fortalecedora à teia de suspense que a fita admiravelmente consegue tecer. O Homem Mais Procurado é o tipo de obra que não se destaca pela sua exposição narrativa, demasiado subtil, mas pelos seus diálogos, pela forma como dispõe os dilemas sugeridos e pela orquestração do seu clima restringido que “explode” espontaneamente sem nos darmos conta. E é então que surge Philip Seymour Hoffman, com o seu constante olhar irónico para com a estrutura hierárquica e burocracia. Ele lidera, e muito bem, um elenco competente que vai desde uma morena Robin Wright, a uma Rachel McAdams em grande forma, Homayoun Ershadi (O Sabor da Cereja, de Abbas Kiarostami) e a estreia de Nina Hoss, a musa de Christian Petzold, numa produção norte americana.

Assim, vale a pena assistir O Homem Mais Procurado, o trabalho póstumo de Philip Seymour Hoffman, talvez um dos maiores atores da sua geração. Contudo, pede-se que não se encare o novo trabalho de Anton Corbijn numa retrospetiva da carreira do ator, pois isso seria desvalorizar uma obra com os seus próprios tributos. Em suma, este é um thriller que merece brilhar por conta própria. E o mesmo se pode dizer do próprio Anton Corbijn!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
a-most-wanted-man-um-homem-muito-procurado-por-hugo-gomesPhilip Seymour Hoffman e John Le Carre por Corbijn