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«Snowpiercer» (Expresso do Amanhã) por Roni Nunes

O futuro distópico numa das suas mais recentes encarnações apresenta-se assente num artifício original: os últimos habitantes de um planeta Terra subitamente congelado estão refugiados  num comboio em permanente movimento. Pensado para reproduzir o antigo ecossistema, ele também carrega do velho habitat um elemento inconveniente: as agudas diferenças sociais. A escumalha, suja, mal alimentada e sujeita a todo tipo de opressões físicas, ocupa as últimas carruagens. Até que surge a revolta.

O realizador Bong Joon-ho (de “The Host – A Criatura”) adapta uma banda desenhada francesa onde são evidentes as possibilidades de aproveitamento para um filme de ação (o movimento permanente), uma estrutura dramática facilmente evolutiva (com direito a passagens de nível estilo videojogo), um ambiente naturalmente claustrofóbico e o forte componente de comentário social.

Ao mesmo tempo, a sua opção não é pela imundície calculada e distribuída em doses homeopáticas do recente “Elysium”, seu primo temático, mas antes por algo mais sujo e violento – onde lutas de foices, machados, punhais e metralhadoras traduzem-se numa pouca solidariedade com seus várias protagonistas de carisma variáveis. Ao mesmo tempo, circula por ambientes familiares a obras do género, incluindo uma muito “huxleyniana” sequência em que crianças são ensinadas sobre as castas sociais e a benevolência de Mustapha Mond (que aqui chama-se Wilford).

A metáfora deste passeio de montanha russa (com imagens alucinantes de exteriores colossais) é óbvia: também vive a humanidade num planeta superpovoado, marcado por agressivas diferenças de conforto e estatuto, enclausurada num perpétuo movimento sem finalidade e cujas mortes maciças ocasionais são, de vez em quando, necessárias para manter o equilíbrio do sistema. Se existe um Deus por trás da máquina, ele serve apenas para fazer uma cruel e fria gestão dos elementos para manter a engrenagem em funcionamento.

No todo, o género humano não parece muito simpático nem inspirador aos olhos de Bong Joon-ho: se o final não chega a assumir o cinismo absoluto para o qual aponta, a boa vontade do realizador para com os da sua espécie também não parece muita. O que talvez explique o carácter morno de alguns personagens e do impacte dramático do filme, certamente menos certeiro do que o da pancadaria.

O Melhor: o aproveitamento das possibilidades da ação e de um ambiente naturalmente claustrofóbico
O Pior: o alcance mais limitado em termos dramáticos, com personagens que nem sempre inspiram compaixão ou temor (no caso dos vilões)


Roni Nunes