Quinta-feira, 25 Abril

«Night Moves» por Hugo Gomes

Na teoria, os três ativistas protagonistas do filme são os heróis intervenientes que atuam na marginalidade que o Mundo atual precisa urgentemente, mas a verdade é que em Night Moves é difícil criar empatias com este mesmo trio. A sexta longa-metragem da realizadora Kelly Reichardt remete-nos a um grupo de ativistas radicais com planos para fazer explodir uma barragem que, segundo estes, trata-se do primeiro passo para impedir a rápida escassez e destruição do Oceano. Porém, por mais ativistas que sejam, estes esquecem-se que são acima de tudo meros humanos (e talvez inexperientes no ramo), emocionalmente fragilizados e conscientemente instáveis.

O que começa como um thriller perspicaz delineado sob alguns contornos hitchockianos depressa se converte numa melodia de culpa, um eco consequencial dos atos ambíguos. As mensagens ecológicas (existe uma curiosa sequência de uma corça prenha defunta cujo seu “rebento” ainda vivo transfere uma metáfora de tal natureza ao espectador – o nascimento de novas gerações num “mundo” destruído e insustentável) são assim invocadas como macguffins deste grupo de personagens, condenados desde o inicio a prevalecer numa sociedade ditada pela relevância e influência dos medias e da opinião pública que por sua vez dita os contornos da consciência individual. E é nisso que funciona Night Moves, não como um ensaio cinematográfico de Al Gore, mas como um reflexo das causas, dos atos e da intervenção não como um bem individual mas como um dispositivo para a auto-destruição do mesmo. Sob signos é fácil de identificar a evolução dos personagens, meros “tubos de ensaio” num biótopo conduzido em tais elementos.

Quanto à estrutura, dentro do cinema de Reichardt, Night Moves é capaz de surpreender pela forma como conduz a narrativa, desafiando a sua própria marca, onde o percurso é mais importante que o destino. Neste caso, o destino é nos dado de forma reveladora, mas é evidente que os caminhos trilhados são mais entusiasmantes que a dita chegada. E é sobre esse caminho que a realizadora, argumentista e também editora, implanta uma sonoplastia aguçada em equilíbrio com uma fotografia envolvente, tudo isto funcionando em cumplicidade com um poder de sugestão que a cineasta valoriza em vez do tom mais explicito dos cânones do thriller.

A juntar aos elementos técnicos, narrativos e morais (neste aspeto a discussão será imensa), Night Moves valoriza-se pelo empenho dos três protagonistas, com Jesse Eisenberg a abandonar o seu ego já pautado e deixar-se ser conduzido numa melancolia denunciadora, que sob pequenos pormenores levam o espectador a conseguir decifrar a sua psique e uma dualidade transgressiva. Quanto a Dakota Fanning, a pequena “prodígio”, parece a passos largos de abandonar a imagem de “menina talento”, agora já formada,a apostar em papeis mais maduros e negros. Por fim, Peter Sargaard, num desempenho arrepiantemente envolvente.

Assim, Kelly Reichardt assenta num filme complexo, mais do que estruturalmente aparenta. Um exemplar frio e por vezes calculista sobre a negra natureza humana, servido de uma qualidade técnica, referências cinematográficas de requinte e a conduta dos três protagonistas em construir personagens desagradáveis mas sob desempenhos sólidos. Tendo em conta a essência de Night Moves, o Homem é capaz de tudo, até mesmo de tecer a sua própria moralidade.

O melhor – O trabalho de Kelly Reichardt e o elenco
O pior – poderá ser confundido como filme de mensagens ecológicas, que não é.


Hugo Gomes

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