Quarta-feira, 24 Abril

«Locke» por Hugo Gomes

A vida de Ivan Locke (Tom Hardy), um homem de família dedicado e um trabalhador exemplar, desaba gradualmente como “peças de dominó” após ter recebido uma chamada que o colocará numa posição decisiva. Conduzido à noite em direção a Londres, Locke prepara-se para enfrentar as consequências dos seus próprios atos.

O novo filme de Steven Knight (Redenção) poderá ser encarado como um exercício narrativo, e certamente o é, contudo este possui uma dimensão psicológica e emocional aguçada que conjuga com o efeito de sugestão. Esta é uma obra regida pelos códigos do thriller (sente-se uma certa vertente do cinema de Hitchcock), onde Knight utiliza usuais artefatos – o carro e o kit de mãos livres – como catalisadores da fluidez narrativa e do empenho de Hardy, confrontado e a mercê dos obstáculos conflituais impostos.

Obviamente nada disto funcionaria se Tom Hardy não fosse o que realmente é, imenso de classe e ao mesmo tempo de uma simplicidade expressiva. Poderemos afirmar que é ele que carrega o filme às costas, ultrapassando o mero exercício e as limitações cénicas. Para além dos seus longos diálogos com os constantes telefonemas que acentuam o drama humano e a colisão das relações de Locke, é nos seus momentos com a solidão, os monólogos entusiasmantes, que Tom Hardy se evidencia como o motor do filme.

Enquanto isso, as decisões diretivas por parte de Steven Knight não são das mais felizes, minando grande parte da sua narrativa com sobreposições e mais sobreposições. Talvez com o medo de limitar ainda mais a narrativa ou de mimetizar o estilo próprio de Abbas Kiarostami. Todavia e apesar disso, este é um ensaio dramático invulgar e competente no seu conceito, com Tom Hardy a converter uma longa viagem numa tremenda jornada às emoções. Nesta silly season, vale bem pena espreitar Locke.


Hugo Gomes

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