Sexta-feira, 19 Abril

«Grand Budapest Hotel» por Hugo Gomes

Podem chamá-lo de esteticamente “fascista”, visualmente sedutor/obsessivo e maníaco pela centralização de planos, mas tudo isso faz de Wes Anderson um renascentista da Sétima Arte, um realizador que expõe as suas intrigas, mirabolantes e de entrega singular, com um cuidado extremo na sua geometria e matriz visual. Goste-se ou odeie-se, a verdade é que Anderson é inegavelmente um dos influentes e cobiçados cineastas da atualidade, se não, como se pode explicar a reunião de elencos de luxo (e nesse termo Grand Budapest Hotel é, até à data, o maior desses “agrupamentos”) que os seus filmes têm tendência em proporcionar?

Num ambiente que quase roça a literatura vitoriana de um Arthur Conan Doyle, Grand Budapest Hotel é inspirado nos trabalhos do autor literário Stefan Zweig. O clima de mistério incessantemente presente (quase como uma Agatha Chirstie), sob o tom caricatural do realizador, remete-nos para uma intriga de crime, calúnias e suspeitas, onde o homónimo hotel é o arranque de toda a premissa, como também o desfecho desta. Uma história dentro de uma história envolvida noutra história, as narrativas sobrepondo-se, onde seguimos o distinto Gustave H. (Ralph Fiennes), concierge do dito hotel, que é acusado de homicídio da viúva Madame D. e de roubar o seu mais valioso bem: o quadro do “Rapaz e a Maçã“. Gustave H. tem, com isto, para além de provar a sua inocência, de tentar escapar aos membros da família da vítima que o desejam matar o quanto antes. O nosso protagonista tem como “cúmplice” e companhia o seu fiel paquete, Zero Moustafa (Tony Revolgre).

Num país imaginário, no centro de uma guerra de igual imaginação, porém recheada de alusões e referências a tantos pontos históricos (há quem fale da Segunda Guerra Mundial e da crise da Polónia), Grand Budapest Hotel arquiteta um enredo complexo, pausado e sempre entretido com todos os toques e gags que já se tornaram marca na filmografia de Anderson, que brinca aqui, mais uma vez, aos espaços, ao fora de campo e à estática dos seus cenários. Em termos visuais, não temos dúvidas algumas: este é um filme verdadeiramente sedutor e estilizado até à medula, mas Anderson constrói, por um período de tempo, um conjunto de personagens inteiramente romanescas, plausíveis, mesmo sob os seus códigos alienados, distorcendo todos os seus cânones e com isso requisitando uma nova linguagem cinematográfica.

Tal como o seu anterior, Moonrise Kingdom, o autor refere o romance como algo verdadeiramente estranho e insólito no seu conjunto de personagens, todos eles integrados na tragédia pessoal, sendo que sentimentos são bramidos, de forma gélida e frívola, por desempenhos, de iguais adjetivos, que não se esforçam em trair a câmara. Nesse último ponto, temos que ter em conta que nos jogamos a um mundo alternativo, pitoresco, caricatural e, sim, revestido por um uma geometria autoritária (vale a pena relembrar essa marca autoral) e uma mise-en-scène artística acima de qualquer outro requisito. Mas não se deixem enganar: apesar desta “nova vaga” de cineastas independentes que Wes Anderson parece liderar, existe muito de primitivismo aqui. Um cinema “fóssil vivo”, mais dependente dos seus cenários e das suas limitações, facilmente violáveis, do que do realismo e seriedade que nos dias de hoje parece ser regulamentar. É a sétima arte mais próxima da dramaturgia, dos palcos e da cortina vermelha, da imaginação do espectador e da espera pelos aplausos.

Depois desta demanda, talvez a mais próxima da perfeição por parte de Wes Anderson, será difícil ultrapassar-se sem cair na limitação do seu estilo (fazendo lembrar o misterioso Terrence Malick). Enquanto não chega essa futura obra que irá ditar o rumo enquanto cineasta verdadeiramente acarinhado na indústria, Grand Budapest Hotel é uma fantástica aventura que nos remete ao misticismo do cinema, algo que parecia perdido. Já agora, como é bom ver um ator como F. Murray Abraham a ressuscitar dos “mortos”!

O Melhor – as personagens, os gags estilizados como o seu visual
O Pior – Limitar-se-á Wes Anderson a este estilo no futuro? Será um novo Terrence Malick?


Hugo Gomes

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