Terça-feira, 23 Abril

The Broken Circle Breakdown: um sopro no coração

Tal como uma dos personagens principais (o ator e argumentista Johan Heldenbergh), The Broken Circle Breakdown revela a sua adoração ao estilo norte-americano, nomeadamente o seu distinto melodrama. Contudo, e novamente em consolidação com o seu protagonista, vai-se divorciando dessa tal afinidade e estabelecendo as suas fronteiras, a do realismo europeu e a da fantasia onírica americana. Por outras palavras, é fácil identificar os elementos que comummente se visualizam nas enésimas obras americanas. Porém, tudo se resume a uma mimetização sarcástica desses mesmos lugares-comuns, ao mesmo tempo que o espectador evidencia um gradual afastamento em prol de um território europeu, realista até à medula e sim, como muito do seu cinema, deveras pessimista.

Mas é nesse pessimismo que encontramos a verdadeira beleza do novo filme de Van Groeningen (baseado numa peça de Johan Heldenbergh e Mieke Dobbels), uma vingativa descida à eterna melancolia da vida celebrada com pequenos rasgos de graciosidade. Neste drama são muitos os momentos emocionantes e deveras poderosos, tudo graças ao par protagonista que desempenha ferverosamente os seus papéis (Veerle Baetens prestes a torna-se numa imagem de marca do cinema belga). Porém, e talvez o mais triunfante em The Broken Circle Breakdown, é que em nenhum momento sentimos pena deste casal, sentimos o roçar da lamechice e, mais infamemente, nenhum ato de esperança.

É um amor completo que gera uma família feliz, ambiente propício para esse tão cobiçado sentimento, mas traído pelo próprio ciclo de vida e culminando em desgraças capaz de converter o mais ou menos crente dos sujeitos. Tal como o título traduzido alude, é um Ciclo Interrompido pelo infortúnio, desfragmentado como a sua narrativa mergulhada entre o passado e o presente (um exercício narrativo a lembrar 21 Gramas de Alejandro González Iñárritu), onde a clara divergência entre estas duas linhas temporais é a fotografia, simbiótica com o tom do momento. É um debate refletivo sobre a natureza do revés e o sentido de uma vida que, por vezes, soa irónica e recheada de malvadez que nos faz questionar os propósitos de Deus.

Mas sem querer entrar nessa disputa religiosa que a promoção do filme parece forçadamente vender, o filme é uma faustosa melodia, um exemplo pesaroso que nos revela sintonia mas que de maneira ingrata retira-nos esse brilho. Apesar de tudo, é de forma apaixonada que Felix Van Groeningen aborda a desilusão no seu Ciclo Interrompido, o que se apostava ser mais um “by the book” do final feliz e que se torna numa envolvente obra sobre paixão e deceção, que aos poucos se tatua na sua própria narrativa.


Hugo Gomes

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