Quarta-feira, 24 Abril

«The Wolf of Wall Street» (O Lobo de Wall Street) por Roni Nunes

Falando-se de um país cujas bases da pujança económica foram lançadas por homens que o historiador Eric Hobsbawm designava por “barões salteadores” (por outras palavras, ladrões), a grande obsessão americana pelos limites morais do mito do self made man parece mais do que justificada. E ela ressurge nesta altura não só neste filme de Martin Scorsese, mas de uma forma bastante inusitada na agradável surpresa que é O Clube de Dallas, que estreia na próxima semana.

Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) é um agente da Bolsa de Valores despedido que junta um bando de pequenos trafulhas e monta uma empresa de corretagem a atuar nas margens de Wall Street. As coisas correm bem e o dinheiro começa cair aos magotes – e com ele o habitual: cocaína a rodos, uma linda loura para fazer par com porsches e ferraris e, inevitavelmente, um estado de espírito próximo do desatino total. Este é um dos raros momentos na sua longa carreira que o cineasta chega próximo da comédia, onde a dimensão circense e quase burlesca (como na cena em que um Leonardo diCaprio em grande sofre os efeitos de uma ingestão excessiva de quaaludes) serve, por um lado, para caracterizar um meio onde todos operam no limite da sanidade.

A eterna obsessão de Scorcese pelo gangue ressurge aqui transformando os mafiosos e criminosos de tantos dos seus filmes em corretores da Bolsa. Com os recursos técnicos que a estas alturas domina como ninguém, o cineasta traz alguns dos seus pitorescos floreios linguísticos, como a aceleração da montagem para mostrar os efeitos da cocaína – algo que usou pela primeira vez em Tudo Bons Rapazes (este, aliás, um fantasma permanente a planar por aqui).

Mas o risco mais temerário corrido por ele não é o de repetir-se a si próprio, mas em investir sem grandes distinções do caminho traçado por outro realizador tecnicamente dotado – Oliver Stone. Este enveredou não uma, mas duas vezes (Wall Street e a sua sequela) de forma tão didática quanto visceral neste universo – e o filme não deixa de o referenciar (a cena em que Jordan diz que “eles pensam que eu sou Gordon Gekko“).

O reconhecimento não chega: essa abordagem excessivamente anedótica não consegue fazer com que Scorcese fuja do peso de ser uma instituição norte-americana e ele tenta escapulir o melhor que pode das conclusões totalizantes e desagradáveis que Stone nunca têm medo de revelar. Este último, sempre expedito na hora de pôr os dedos nas feridas do seu país (ainda que nem sempre pelas melhores razões), ataca o sistema como um todo; Scorcese iliba-o subtilmente (como fazia com os casinos no seu filme de 1995) ao colocar esses jovens gananciosos e apalermados a operar nas antípodas de uma Wall Street que aparece, curiosamente, preocupada com a ética. Isso não invalida a obra como uma crítica social consistente, mas também não a eleva a maiores voos.


Roni Nunes

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