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«De rouille et d’os» (Ferrugem e Osso) por Roni Nunes

 
Ficou para o final a grande tour de force da última edição da Festa do Cinema Francês [em Lisboa]– um rocket desferido por Jacques Audiard a planar muitos patamares acima do resto da “concorrência”. 
 
A que isso se deve é algo que deve ficar tão misterioso quanto o próprio filme, mas pode-se dizer que “Rust and Bone” fixa sua força, sua beleza e a sua poesia num ponto intangível – que transcende a uma simples reconstituição de planos e da análise da sua abordagem estética; seu fulgor não se resume a uma história forte e original – e nem mesmo aos desempenhos particularmente intensos e brutais de Mattheus Schoenaerts e Marion Cotillard.
 
Por aproximação, pode-se dizer que Audiard constrói uma relação de forças baseada em binómios – contando numa história que vai linear até tomar as liberdades típicas do cinema de arte. Estes vêm à tona sob o pano de fundo da fúria da natureza: um homem (Alain/Schoenaerts) que envolve-se em lutas de vale-tudo clandestina e personifica o emblema de saúde física, contrapõem-se a uma mulher devastada (Stéphanie/Cotillard) após um acidente (ele próprio símbolo da força natural), que torna-se o símbolo da doença e da degradação – e cuja comunhão servirá para questionar os próprios padrões de beleza/feiura estética no cinema.
 
Mais que isso, o instinto e o comportamento passional de Alain, cuja energia sexual descompromissada é de uma insensibilidade atroz – não concedem hipóteses nem concessões românticas possíveis para o conforto de Stéphanie, estabelecendo uma relação de “amizade” que beira a crueldade.
 
Há de se questionar esse apego ferrenho da arthouse europeia pelo sádico, pelo perverso e pela doença. Mas convém dizer que Audiard, mais simpático que congeneres como Lars Von Trier ou Michael Haneke, concede ao seu “monstro” de grande vigor e sua fragilizada e deformada “bela” alguma possibilidade de sentimento e redenção.
 
 
 
 Roni Nunes