Terça-feira, 23 Abril

«Attenberg» por André Gonçalves

Vemos duas raparigas nos seus 20s a aproximarem-se com uma parede branca por detrás. Bella, “a p***” está a ensinar a Marina (memorável Ariane Labed, justa vencedora do prémio de Melhor Atriz em Veneza), o “bicho social” viciado em Suicide e documentários de David “Attenberg”, como beijar à francesa. Tudo aparenta inclinar-se para o maior dos erotismos, mas o que recebemos é o mais profundo dos desconfortos, entre gargalhadas, perante o tom animalesco da cena. Esta sequência de abertura descreve “Attenberg” na sua totalidade – um filme radical, propositadamente desorganizado, e desconectado da nossa realidade (tal como a sua protagonista), causador de desconforto e risos meio nervosos, e mais uma vez a mostrar que a Grécia, esse belo país em crise, consegue ser bem alucinada quando quer. 

Se bem que “Attenberg” já ande um pouco longe do perfeccionismo formal e do extremismo de um “Canino”, algo une ambos os filmes. E não são só os sons animalescos emitidos pelas suas personagens, em processos “faz-de-conta”, ou a maneira como os seus realizadores filmam as cenas de sexo de uma forma desconcertante. É mesmo uma vontade geral constante de, cena após cena, surpreender o espectador. Ao vermos “Attenberg” pela primeira vez, é dificil adivinhar o que se vai suceder logo a seguir. E após hora e meia, talvez esperássemos um outro filme, é certo. Talvez preferíssemos outra resolução. Por outro lado, há poucos filmes nos últimos meses que tenham conseguido ousar o espectador assim. 

Claramente feito para um nicho de mercado, “Attenberg” é, com todas as suas imperfeições, um OVNI a acarinhar, e um objeto de culto imediato. 


O Melhor: A sensação de não estarmos seguros, pela primeira vez em algum tempo. 

O Pior: O carácter insular e desligado do exterior da própria película, não só será um “turn off” para muitos espectadores, como torna difícil amá-la a 100%. 
 
 
 André Gonçalves
 

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