Quinta-feira, 25 Abril

Morreu Abbas Kiarostami, o cineasta por detrás do «O Sabor da Cereja»

Morreu hoje o mais aclamado dos realizadores iranianos, Abbas Kiarostami. O vencedor da Palma d’Ouro de 1997, O Sabor da Cereja, faleceu hoje vítima de um cancro do intestino em França. Tinha 76 anos.

Nascido no Teerão a 22 de Junho de 1940, formou-se em Belas-Artes e começou por realizar filmes publicitários na década de 60, bem como exercendo a profissão de designer gráfico. A partir de 1969 faz os seus próprios filmes no Kanun (Centro de Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens Adultos). O seu primeiro trabalho com o título internacional de The Bread and Alley (1970) trata-se de uma curta-metragem neorrealista, que aborda o conflito entre um pequeno rapaz e um cão ameaçador que o não deixa regressar a casa.

A infância seria um tema que continuaria a abordar em obras posteriores, como outras diversas curtas, mas também no filme com o qual começou a adquirir reconhecimento fora do Irão, Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987), retrato comovente de um rapaz que divaga solitário pelas ruas de várias cidades afim de devolver o caderno de trabalhos-de-casa a um amigo que será expulso da escola se os não tiver resolvido.

O Sabor da Cereja (1997)

Essa obra foi a primeira do que veio a ser intitulada a Trilogia de Koker, constituída ainda por E a Vida Continua (1992) e Através das Oliveiras (1994). Caracterizada por um estilo simples, mas diálogos poéticos, este trio caracteriza-se por cada filme seguinte assumir o anterior como obra de ficção. No caso de E a Vida Continua, a obra aborda um cineasta que, com o seu filho, regressa à região de Onde Fica a Casa do Meu Amigo? afim de encontrarem dois atores desse mesmo filme, após um violento terramoto. Já o terceiro volume regressa a uma cena do segundo e conta o romance entre dois atores envolvidos da mesma.

Foi, no entanto, com Close-Up que obteve a atenção internacional devida, tendo o próprio Nanni Moretti feito uma curta-metragem em torno do mesmo (Opening Day of Close-Up, 1996). Neste trabalho intensivo de busca sobre a Verdade, Kiarostami parte de um caso real, onde um ladrão fez-se passar pelo cineasta Mohsen Makhmalbaf, tendo convencido uma família a aceitá-lo na casa da mesma. A obra serve-se de recriações do que se passou naquele dia, mas também de imagens de arquivo registadas no tribunal, onde o ladrão argumenta a sua defesa, sempre interpretados pelos próprios, até não ser distinguível o que é encenado do que é, de facto, um registo genuíno.

Abbas Kiarostamis a receber a Palma d’Ouro ao lado da atriz Catherine Deneuve

Dos seus trabalhos posteriores, destacam-se o já referido O Sabor da Cereja que aborda a pequena jornada de um homem ao seu local de suicídio, dialogando sobre a justificação de se terminar com a própria vida com diversos passageiros que quer que o enterrem; O Vento Levar-nos-á (1999), vencedor do Grande Prémio Especial do Júri em Veneza desse ano, sobre um engenheiro numa aldeia remota que vem estudar o ritual de uma anciã prestes a falecer; Dez (2002), obra em dez cenas, todas passadas no interior do mesmo carro; e Shirin (2008) encenação de uma peça persa que, ao invés de registar a ação do palco, prefere contemplar os rostos de 115 espectadoras, entre os quais Juliette Binoche.

Os seus dois últimos filmes foram ambos filmados fora do Irão que nunca chegou a reconhecer-lhe devidamente. O primeiro, Cópia Certificada (2010), sobre a desintegração de um casamento fingido por uma galerista francesa e um escritor inglês que se haviam acabado de conhecer, foi um retorno aos temas de realidade e simulação que o cineasta havia tão bem explorado 20 anos antes, tendo sido filmado em Itália. Já o último, Like Someone In Love (2012 [ler crítica]) vivia da amizade enigmática entre uma estudante, possivelmente prostituta, e um idoso, numa Tóquio só deles.

Cineasta de autor incontornável, figura central da Nova Vaga Iraniana, editor, poeta, pintor, diretor artístico, entre outros ofícios, foi sobre ele quem disse Jean-Luc Godard “O cinema começa com D.W. Griffith e termina com Abbas Kiarostami”. Kiarostami morreu e, com ele, o cinema fica indubitavelmente mais pobre.

Cópia Certificada (2010)

 

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