Quinta-feira, 25 Abril

Amigo de Fela Kuti, Joel Zito Araújo investiga a representação da população negra do Brasil

Entre as muitas pautas de debates que hoje renovam o cinema brasileiro, a discussão sobre a representatividade autoral de artistas negros nos ecrãs do Brasil é uma das mais urgentes e fervorosas, encontrando no realizador mineiro Joel Zito Araújo uma de suas mais ricas vozes. É dele um dos documentários latino-americanos mais requisitados de 2019 para festivais d’África e da Europa: Meu Amigo Fela, que abriu uma louvável trajetória internacional a partir de Roterdão, em janeiro.

Laureado com o Prémio Especial do Júri da mostra de docs. É Tudo Verdade (no Rio de Janeiro e em São Paulo), a longa-metragem investiga o legado do músico nigeriano Fela Kuti (1938-1997), um caldeirão multicultural, fervido no calor das ideias de Malcolm X, da urgência de compreensão da identidade africana e da vontade de expressar as raízes do seu continente natal sem o jugo dos colonizadores brancos europeus.

A revisão crítica da vida e da obra de Fela – construída a partir de uma jornada internacional do cineasta ao lado do escritor Carlos Moore, biógrafo do multi-instrumentista por detrás de LPs lendários do afrobeat como “Why black man dey suffer“, de 1971 – é uma das vertentes de uma filmografia iniciada por Joel Zito em 1988. Essa lupa que o cineasta joga sobre o músico integra uma metodologia de pesquisa com foco na diáspora negra e na identidade do legado africano sobre a qual ele vai falar, no Rio, nesta quinta-feira, na mais nobre casa de cultura do seu país: a Academia Brasileira de Letras (ABL).

Com 31 anos de estrada nos ecrãs, o realizador do premiado Filhas do Vento (2004) foi convidado pela ABL para ministrar, às 17h30, deste dia 27 de junho, o colóquio “O Negro no Cinema Brasileiro“. A palestra encerra o ciclo “Vozes d’África na cultura brasileira“. A ABL, casa fundada por Machado de Assis, fica na Av. Presidente Wilson, 203, Castelo.

Joel Zito Araújo e o escritor Carlos Moore durante as rodagens de Meu Amigo Fela l Foto.: Toninho Muricy

O que eu descobri de Fela foi um herói trágico que traduzia muitas de minhas impressões e críticas sobre a África contemporânea, ainda com tanta submissão colonial, e tantos governantes que só se preocupam com eles mesmos e com as suas famílias. E há os militares que, em nome da pátria, só defendem os interesses estrangeiros“, disse Joel. “Há uma classe média colonizada que considera os seus países verdadeiras merdas, só tendo olhos submissos para os europeus e norte-americanos. Fela na sua música e na sua vida refletiu sobre isto. Aí eu encontrei o meu jeito de comentar uma parte da África que merece muita crítica. Digamos que peguei boleia no Fela para expressar também o meu ponto de vista. Mas para a minha surpresa, surgiu um outro filme, exatamente quando consegui dinheiro para fazer ‘Meu Amigo Fela’. Felizmente o filme tinha interesse somente no Fela como ícone pop.”

Em três décadas de cinema, Joel Zito construiu a sua trajetória audiovisual com os olhos bem abertos para os exercícios de exclusão do mundo, mas com os pés fincados na realidade de intolerâncias do Brasil. Realidade que ele transforma ora em denúncia explícita (no caso da obra Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado), ora em aulas de lirismo (como São Paulo Abraça Mandela).

Eu não conheço nenhum precedente de cineasta afro-brasileiro que tenha sido convidado pela ABL para expor sobre qualquer tema, especialmente este, ‘O Negro no Cinema Brasileiro’. Portanto, foi uma grata surpresa receber este convite, através do académico Domício Proença Filho, o coordenador da atividade da Academia“, comemora Joel Zito, realizador do culto A Negação do Brasil (2000). 

Meu Amigo Fela

É uma surpresa especialmente considerando que a ABL foi criada por um afro-brasileiro, um dos mais modernos eternos escritores brasileiros, Machado de Assis. Considerando que a ABL também tem, na uma sua história, um problema de representatividade de escritores negros, acredito que expor por que considero a indústria de cinema brasileiro um dos segmentos de mais baixa participação de profissionais negros na direção ou em papeis relevantes – portanto, um dos mais racistas – pode ser uma forma de dialogar com problemas que a ABL também tem de superar“.

O seu próximo filme intitula-se de O Pai da Rita, que define como algo “meio comédia, meio drama“. “Como profissional de cinema, nasci a fazer documentários. Como amante de cinema, eu nasci a amar as ficções“, diz o cineasta.

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