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Manoel de Oliveira “resgatado” da invisibilidade. Uma retrospetiva Cinemateca Portuguesa.

A Cinemateca-Portuguesa Museu do Cinema será palco da primeira retrospetiva integral da obra de Manoel de Oliveira, intitulado de O Visível e o Invisível.

O cineasta português será alvo de revisão e imortalização num programa que arranca no dia em que Oliveira celebraria o seu aniversário (seriam 110 anos, para ser exato), que se prolongará até ao inicio do próximo ano. Uma iniciativa que pretende celebrar todo o seu percurso cinematográfico, o qual, tirando as óbvias menções das suas curtas, médias e longas metragens, incluirá os seus filmes encomendados que de certa forma serviram de sustento ao realizador.

Talvez envolvido por um certo estigma, suscitado por volta da década de ’80, numa altura em que se edificava ainda mais a barreira entre o cinema de autor e o comercial em Portugal (a desaprovação do seu Amor de Perdição foi um dos impulsores dessa corrente), Oliveira foi sempre, apesar de tudo, apreciado pelas mentes inteletuais deste mundo fora, ostentando um cinema de artifícios com um certo primitivismo (salienta-se), que embebia sobretudo de muita da criação literal e teatral do nosso património.

“Teatro filmado” como muitos apelidavam (num jeito pejorativo), o cineasta “demoliu” diversas vezes essa barreira ténue que separava as duas plataformas / artes, como é o caso (curiosa coincidência de palavras), Mon Cas (O Meu Caso, 1986), onde a perspetiva e o contexto entram em acordo com um gesto de recriação narrativa, ou a ópera que vai desconstruindo o glamour associado ao serviço de um crítica social a uma aristocracia decadente em Os Canibais (1988).

Mon Cas (O Meu Caso, 1986)

Como se poderá evidenciar neste ciclo exaustivo em sua homenagem, Manoel de Oliveira nunca foi um realizador de uma só linguagem cinematográfica, aliás, os períodos fizeram parte do seu percurso como um dos mais notórios artistas, seja qual for a arte. Começando no Cinema como uma paixão jubilante, um prazer em filmar que o levou a concretizar Douro Faina Fluvial (1931) nas suas horas vagas, Oliveira solidificou a sua visão cinemática através da montagem e o poder desta em prol de uma narrativa. Visto como um dos grandes tesouros da nossa cinematográfica, a curta-metragem contraria o rótulo que mais tarde seria atribuído ao cineasta: o detentor de planos longos, “mortos” e sem conflito.

Os seus primeiros anos foram sobretudo devedores ao poder da montagem (mesmo com Aniki Bobó, o seu filme mais popularmente apreciado), até porque Oliveira é um homem do seu tempo, sendo que mais tarde parte para outras aventuras, motivadas por uma acidental descoberta. Através de uma tradicional encenação da Paixão de Cristo pelos habitantes de uma aldeia em Trás-os-Montes durante a rodagem da A Caça (1963), o realizador deparou-se com um retrato etnográfico de um Portugal profundo e à sua maneira místico. A visão despertaria ao mesmo um gosto pela teatralidade, pelo afastamento do real (mesmo que encenado) e uma aproximação da moldável fantasia do crer. Tornou-se na formulação de uma perversa docuficção, e assim nasceu Ato da Primavera (1962), indiscutivelmente uma das suas obras importantes que acabaria por dar-nos um realizador novo até então. Foi um percurso que o guiou à sua próxima fase, que se poderia resumir em “artística”, visto que nesta mesma etapa salientaria a fixação pelo palco e pelas quebras da canónica narrativa digna do chamado storytelling, recorrendo ao teatro e à literatura.

O Ato da Primavera (1962)

A partir dos anos 90’, Manoel de Oliveira, pelo positivo ou pelo negativo, torna-se numa tradição do anuário de estreias, produzindo uma obra em cada ano. Fase que se prolongou até ao fim dos seus dias, onde gerou alguns das mais respeitadas pulsações de criatividade e ao mesmo tempo os seus filmes menores, fruto de um cansaço, uma exaustão alicerçada numa vontade de filmar como uma resistência à vida.

Diversas vezes Manoel de Oliveira apoiou-se na História (“Non” ou A Vã Glória de Mandar é um dos mais saudosos hinos ao espirito português) e nos escritos de Augustina Bessa-Luís (a qual suscitou 7 obras, não incluindo com isto os diálogos do muito pessoal Visita ou Memórias e Confissão, gesto biográfico que é resgatado após a sua morte como um póstumo e novo filme), que validaria um gosto pelos diálogos pomposos, onde a força das palavras proferidas pelo seu grupo de atores (um rol de caras que gradualmente se converteriam em residentes de uma “fundação Oliveira”) salientaria a emotividade do artificialismo.

Os cenários de set, o cinema de estúdio hoje perdido no nosso panorama, a luz que incinde em cada espaço com um fixação magnética (a recordar a sua última longa, O Gebo e a Sombra, onde a fotografia esteve a cargos de Renato Berta), marcas que se imprimiram na pele de Oliveira, convertendo-o em muito mais que um cineasta, mas um ícone, para o bem e para o mal, colocando o Cinema Português no mapa.

O Gebo e a Sombra (2012)

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