Quinta-feira, 28 Março

Diane A Les Épaules: Clotilde Hesme entre a heroína “rohmeriana” e a Ripley de ‘Alien’”

Exibido no dia 5 de outubro, 21h30, no Cinema São Jorge

Depois de diversas curtas-metragens, onde se incluem Le Sens de L’Orientation e Un Chien de Ma Chienne, Fabien Gorgeart estreou-se nas longas com Diane A Les Épaules, comédia com elementos dramáticos que mais uma vez tem como foco a parentalidade. Mas se em “Le Sens…” seguíamos a história de um homem, interpretado por Fabrizio Rongione, que não admite ser estéril à namorada, e em “Un Chien…” acompanhamos uma mulher cuja gravidez é exaustiva e interminável, em “Diane…” o cineasta aprofundou o tema através de uma história de uma procriação não convencional, mais conhecida popularmente com a expressão “Barriga de Aluguer”.

Clotilde Hesme está no centro de tudo, interpretando a Diane do título que engravida para proporcionar ao casal amigo gay um filho para eles criarem. Pelo caminho, ela conhece e apaixona-se por Fabrizio (Rongione), evoluindo a história num sentido de “confrontar uma situação aparentemente “ideal” com novos e inesperados dilemas, bem como diversos estados emocionais“.

Para Gorgeart, o tema interessa-lhe pois vivemos “numa era em que os limites estão a ser redefinidos dentro dos casais no que diz respeito à filiação, e mesmo no sentido de serem do sexo masculino ou feminino“: “A identidade sexual não é mais reduzida a categorias biológicas. Hoje, a filiação e a linhagem estão a libertar-se dos modelos parentais tradicionais. Como resultado, os pontos de referência da sociedade são virados de cabeça para baixo.” Mas se abordar o tema era essencialmente interessante, dar ou impôr a sua opinião sobre as “barrigas de aluguer” não era de todo um objetivo: “Durante o desenvolvimento do projeto, várias pessoas pediram para eu “declarar a minha posição em relação à maternidade por substituição. Não acho que seja possível, especialmente num filme, formular uma ideia genérica do que essa questão implica, na medida em que existem tantas situações quanto indivíduos, cada um diferente do outro. Deliberadamente imaginei uma história de maternidade de substituição aparentemente “exemplar”, concebida como um ato de pura generosidade.

 

Diana: entre a figura “Rohmeriana” e a Ripley de “Alien”

 

 

 É algures entre as duas figuras acima que podemos encontrar a Diane que Clotilde Hesme interpreta nesta obra. As palavras são do próprio cineasta, que para apresentar esta “criatura híbrida”, uma mulher tão livre como presa a uma estrutura de “um ventre” achou essencial que o filme apresentasse momentos de humor mas também de “leviandade”:

“A atuação de Clotilde Hesme é ao mesmo tempo séria e delicada, relaxada e conscienciosa. O corpo de Diane é desproporcional comparado com os homens que a cercam: são todos mais pequenos que ela. Diane é “maior que a vida” e bastante despreocupada. O seu corpo torna-se em algo burlesco: um corpo desarticulado, tal como quando o seu ombro se desloca (…) é como uma boneca de pano. Ela está algures entre uma mulher sublime e uma adolescente desajeitada; ela é completamente livre, sem nenhum género específico – e não falo sobre identidade sexual. Está a meio caminho entre a heroína rohmeriana e a Ripley de Alien”. (…) No início, Diane vê a sua decisão de “oferecer” o útero como inconsequente. Mas, pouco a pouco, vai se transformar numa verdadeira missão, com tudo o que está implícito quando se trata de abnegação (…) No entanto, o que Diane realmente experimenta vai muito além de um ato abnegado, pois no final exige um gesto dramático – dar-se de uma maneira que vai muito além de “emprestar” o seu útero: em suma, é o dom da vida, o dom de uma criança. O nono mês é o mais peculiar pós-parto. O vazio e a melancolia misturam-se com o alívio e a dolorosa alegria de ter realizado algo “sobrenatural”. Esta é a razão pela qual era importante fazer a contagem de cada mês de gravidez aparecer no ecrã, (…) . Na cena final, o que está a acontecer não está na sua barriga, mas no seu rosto.”

A escolha de Clotilde Hesme

Clotilde é extremamente bonita e, ao mesmo tempo, não importa. Ela é uma atriz muito técnica e precisa, que também tem uma grande capacidade de se deixar ir. Na mesma sequência, ela pode estar nos limites do expressionismo e voltar a ser o mais natural possível. Isso cria momentos e rupturas que me permitiram jogar com dinâmicas opostas, que eu senti serem essenciais para a narrativa – muito parecida com o corpo dela: livre, independente, sempre em movimento no início e depois – pouco a pouco – prejudicada pela gravidez. A arquitetura da casa que ela está reconstruindo também é redonda. Quando a barriga de Diane cresce, os círculos ao seu redor aproximam-se dela: a casa, depois a clareira na floresta e, finalmente, a pequena piscina que Fabrice constrói para ela, como uma clausura. Ela está no centro de tudo e de todos.”

Os homens do filme

Para o cineasta, os homens do filme são na verdade as únicas pessoas que querem se tornar país, seja diretamente ou indiretamente: “Thomas é um exibicionista – uma criança no corpo de um adulto! Mas no seu entusiasmo em compartilhar intimamente essa gravidez com a Diane, os seus medos irracionais pesam sobre os dois, levando-o a interferir a ponto de ameaçar o seu relacionamento quase parecido com uma irmã com a mulher que carrega o filho. No extremo oposto do espectro, Jacques mistura grande presença e modéstia. É um pouco a figura de John Wayne segurando a criança embrulhada contra o peito em Os 3 Padrinhos. (…) Fabrice, um frustrado macho alfa, por sua vez, tenta construir algo com essa mulher imprevisível e moderna que perturba completamente os seus hábitos emocionais. A incerteza que envolve o seu futuro com Diane obriga-o a comportar como um futuro pai também, certificando-se de que a gravidez vai bem e que, quando se trata disso, nem sequer lhe diz respeito! Se estamos preocupados com o vínculo que Diane vai ter com a criança, nem sequer medimos o vínculo que está a ser formado entre Fabrizio e o feto. (…) Ele será para sempre o não-pai deste não-seu-filho.

Assim, aqui estão quatro personagens que se encontram profundamente envolvidas na chegada de um bebé, sem que possamos circunscrever os seus papéis de acordo com suas funções biológicas. Eles não são capazes de medir toda a extensão da situação até que chegam ao ponto em que as suas emoções lentamente começam a dominá-los. Aí, oscilando entre o egoísmo e a abnegação, revelam o que tentei mostrar: a sua profunda humanidade.

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