Terça-feira, 19 Março

Quinzena dos Realizadores: a “Fábrica” de talentos emergentes da Tunísia

Após Taipei, os países nórdicos, o Chile, a África do Sul e o Líbano, chegou a vez da Tunísia ter o seu espaço na Quinzena dos Realizadores na sua “Fábrica“. Esta construção orientada para dar a oportunidade e visibilidade a novos talentos no cenário internacional permite que jovens se encontrem e criem juntos.

Neste ano, a Quinzena mostrou o resultado do intercâmbio de realizadores de diferentes nacionalidades, resultando em 4 curtas de 15 minutos cada, co-dirigidos por 4 duplas.

 

Omertà

Donia, o seu irmão Yahya, Ali e Ibrahim celebram a última noite da primeira em Tunes antes de viajar para estudar em França. Em jeito de celebração, seguem para a praia onde fumam uns charros e tagarelam sobre o presente e futuro. Porém, ao amanhecer, quando acordam, um deles desapareceu, tornando-se o motivo para paranóias e impasses quanto ao futuro de todos.

Lembrando o grande dilema do iraniano Melbourne, neste caso um desaparecimento que pode travar uma saída do país, Mariam Al Ferjani (Tunísia) e Medhi Hamnane (França) entregam um trabalho sobre uma juventude inquieta angustiada por um evento que como uma peça de dominó poderá provocar uma derrocada de planos de vida. A ideia curiosa tem pernas minimamente para andar, não pela sua construção narrativa, nem mesmo pelo trabalho da realização, mas pela forma como entrega toda a sua força à arte de representar dos protagonistas, os quais – embora se esforcem – precisavam de um pouco mais para nos convencer em toda a linha.

 

Leila’s Blues

A iraniana Fateme Ahmadi e o tunisino Ismaël Louati colocam em cena um drama que reflete sobre a condição da mulher numa estrutura familiar, variando entre imagens captadas por um Ipad e uma câmara normal para falar de aborto, amor materno e sonhos desvanecidos, sem nunca ter problemas ou constragimentos em dar um tom, ora de candura, ora de negritude a todas as personagens.

Leila tem um filho de 17 anos autista. Quando descobre que está novamente grávida, decide abortar. No dia que segue para o hospital para esse procedimento médico, o filho desaparece, deixando-a à deriva, mas também ao seu companheiro normalmente ausente, que não fazia ideia que ela estaria grávida ou que iria abortar.

Estruturado narrativamente de forma clássica, Leila’s Blues tem o coração e a cabeça no lugar, entregando um exercício que num curto espaço de tempo faz um resumo síntese perfeito da condição feminina, metendo pelo meio religião, expetativas familiares e questões sociais, sempre com grande delicadeza e sempre com uma atenção ao mistério de um desaparecimento.

Falha em alguns diálogos, mas na sua essência estaria aqui material para a execução de um guião bem balanceado (entre o mistério e o drama) que poderia gerar uma longa metragem com interesse redobrado.

 

L’Oiseau Bleu

Rafik Omrani (Tunisia) & Suba Sivakumaran (Sri Lanka) ensaiam neste seu trabalho entre a tragédia e a comédia, por entre danças, dinheiro, álcool e música, a interação de diversas personagens, cada uma delas facilmente demarcada; mascaradas de amigos, amantes e pretendentes: temos o intelectual, o playboy, o divertido apaziguador, a cantora proprietária fustigada pela doença e um percussionista que ansiosamente espera um telefonema que poderá mudar a vida de todos.

Apesar da música seguir como elo condutor entre histórias, desejos e medos, este conto de uma noite de diversão num subúrbio de Tunes oferece pouco mais  do que pequenos esboços de vidas entre a ascensão, a queda e a esperança. Há momentos de intenso dramatismo, mas tudo é tão ligeiro e esperádico que a superficialidade dos eventos soa a uma corrida contra o tempo.

 

Best Day Ever

Curiosa curta que segue mal entendidos no seio de uma família tendo por base quatro pontos de vista diferentes, não do mesmo evento, mas de situações que se cruzam e provocam uma erosão desproporcional nesta célula familiar.

Primeiro, seguimos uma mãe que ao chegar a casa vê o filho no chão, bem perto da janela da irmã, dando a ilusão que este a estava a espiar. “Criei um animal” diz a figura materna, mas quando seguimos para a perspectiva do jovem vemos algo totalmente diferente. Em paralelo, o pai – instigado pelo mesmo miúdo momentos antes, desconfia da filha e invade a sua privacidade, levando-o a encontrar coisas sem grande significado mas que o sentido de paranóia o levam a crer serem importantes. No final, e depois das explosões de raiva dos dois progenitores para cada um dos filhos por claros mal entendidos, um silêncio ensurdecedor abate-se sobre eles ao sabor de uma refeição.

Aboozar Amini (Afeganistão) & Anissa Daoud (Tunísia) jogam neste trabalho não só com os tais mal entendidos, mas com o espaço e o tempo, ou antes com a perceção temporal numa história elíptica que se junta de forma ritmada em modo puzzle onde em cada um dos momentos falta a peça para se ter a clarividência total sobre a situação.

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