Terça-feira, 19 Março

Porquê que muitos filmes dos anos 70 e 80 são sexistas e porquê é que isto interessa?

Sixteen Candles (John Hughes, 1984)

Ninguém pode negar que os anos 80 trouxeram consigo uma enorme revolução cinematográfica, já transmitido nos anos 70. Filmes como Jaws, E.T, Star Wars e Breakfast Club marcaram para sempre a Pop Culture e continuam a fazer parte do imaginário de infância de muitas pessoas ainda hoje.

No entanto, os “óculos cor-de-rosa” com qual visionamos estes filmes, não nos permitem ver estes de forma objetiva. Muito menos nos deixam perceber como o seu tratamento de gênero, relações e consentimento é diversas vezes tóxico e misógino. Muitas vezes estas atitudes nestes filmes são vistas apenas como um  produto da época e por isso são desculpadas, mas eu pretendo ir mais além tentando perceber quais são as implicações deste tipo de dinâmicas sexistas em filmes como estes, tão amados nos dias de hoje.

Começo pelo Star Wars, um dos maiores fenômenos da atualidade. Este é considerado por muitos um filme feminista devido a sua personagem Princesa Leia. Princesa Leia é uma personagem atípica para a época: claramente uma mulher forte e decidida, que não tem medo de pegar numa arma, mas também com altos sentimentos e lealdade para com o seu povo. Leia foi e continua a ser um símbolo. No entanto, esta imagem feminista rapidamente sofre um abalo quando olhamos para a relação amorosa de Leia e Han Solo, considerado uma das mais românticas de Hollywood.

Han Solo é um mercenário que já está familiarizado com o mundo e por isso é algo cético, serve de contrabalanço ao inocente protagonista Luke. Desde início que Han insiste que Leia está atraído por ele, mesmo que estes se tenham acabado de conhecer e ela não lhe tenha dado nenhuma confirmação disso (Han Solo: “Tu queres que eu fique porque tens sentimentos por mim”). À medida que a saga vai continuando Han Solo continua a provar que a sua tentativa de sedução de Leia é mais focada nos seus próprios interesses do que no bem-estar desta. Nomeadamente, no segundo filme, numa cena particular, Han Solo agarra Leia e recusa-se a largá-la mesmo após os seus protestos e vários pedidos para que ele o faça. Claramente isto mostra uma atitude de displicência total pelo a vontade da Leia.

No entanto, se isto não te convenceu da atitude problemática de Han Solo, vamos analisar a cena onde existe o beijo entre os dois. Quantas vezes Leia dá indicações que não quer Han Solo perto dela, seja indiretamente através de linguagem corporal ,seja diretamente através da fala?

Han Solo assume que o beijo é o que Leia quer, só não o admite. Após esta cena, Leia e Han Solo passam a ter uma relação, o que demonstra que na verdade ela gostou do máscula alfa. Han age e não pergunta e o filme passa a imagem que é o que uma mulher espera. Infelizmente, este filme não está sozinho neste tipo de representações. Um filme com um tipo de relação entre géneros muito semelhantes é o Indiana Jones.

Tanto no segundo como no terceiro filme da saga, Indianabeija a mulher mesmo após ela ter dito várias vezes que não. Podemos ver isto claramente nesta cena do terceiro filme do Indiana Jones and the Last Crusade (se tiver tempo leia os comentários do vídeo para ter uma ideia de como os rapazes cresceram a ver este filme vêm esta cena)

Cenas como estas ensinam aos rapazes que admiram estes heróis que não deviam ouvir as mulheres, que estas não dizem a verdade dos seus sentimentos, que após estas terem sido coagidos ou mesmo forçadas as mulheres vão admitir que era aquilo que queriam desde o início. Torna-se então claro que ,nestas cenas toldadas por fantasias masculinas, o não representa apenas um incentivo

Apesar disto tudo, existe um filme que leva tudo isto um passo à frente. Sixteen Candles, dirigido pelo grande John Hughes, foi considerada uma das primeiras comédias para adolescentes e é lembrado com grande carinho. No entanto, mais uma vez, apesar de ter uma personagem feminina em grande destaque, este filme é tudo menos feminista.

Primeiramente, a relação principal do filme, entre a Karen e o Jake, é baseado apenas em aparências. As personagens não falam até as últimas cenas do filme, Jake admite até estar apenas interessada em Karen porque esta olha muito para ele, porque está alimenta o seu ego.

Por outro lado, temos o terceiro  protagonista do filme, o rapaz geek, sem nome, que representa um estereótipo de uma masculinidade fraca, que tem uma necessidade extrema de estar com uma rapariga, mas é incapaz de o fazer. Apesar de ser inteligente, não tem capacidades sociais e o filme utiliza estas fraquezas como argumento para vários comportamentos misógino. É suposto este comportamento ser uma piada? O rapaz geek passa o filme a assediar Karen mesmo após ela dizer-lhe várias vezes que não, havendo uma pressão constante para estes rapazes serem mais sensuais, mais homens.

E não me façam falar desta cena:

Com tudo isto, podemos perceber que as noções de consentimento ainda estavam muito invisíveis no anos 80 e o facto de nós continuarmos a considerar estes filmes sem quaisquer falhas e considerarmos muitas destas cenas românticas prova que ainda há muito trabalho a fazer. Eu sei que é difícil criticar filmes que representam tanto na nossa cultural, no entanto isto é um passo em frente na busca de uma igualdade de gênero e de um espaço onde qualquer pessoa possa dizer não livremente.

 

Artigo com base na teoria feminista, no visionamento dos filmes mencionados e no canal do youtube Pop Culture Detective.

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