Quinta-feira, 28 Março

Hollywood a toda a velocidade para Bollywood: as influências

A “infiltração” indiana em terras do Tio Sam!

Porém, foi na passagem para o novo século que o cinema de Bollywood começou a “dar nas vistas” no Ocidente. As imigrações de vários artesões de Bombaim para Hollywood contagiaram um mercado que parecia inabalável. A partir daí, foi uma ascensão. Na verdade, a própria internet teve também contributo na difusão de Bollywood no Mundo.

    • Em 2001, a Índia tem o seu candidato ao Óscar presente entre os nomeados para Melhor Filme Estrangeiro, Lagaan (de Ashutosh Gowariker), num ano em que a estatueta “caiu nas mãos” do destemido No Man’s Land (Terra de Ninguém, Danis Tanovic).
    • Baz Luhrmann dirige Moulin Rouge!, um dos últimos grandes êxitos musicais do cinema norte-americano, com claras influências a Bollywood. Basta verificar na forma como a música enquadra-se na acção e sob uma certa independência transpira para fora desta, recriando cenários oníricos invocados no intuito de acentuar as emoções das suas personagens. O caso mais “gritante” é a dança entre Nicole Kidman e Ewan McGregor num espaço rodeado de nébula e uma Paris de miniatura).
    • A visão reconhecivelmente “bollywoodiana” trazida pelo indiano Tarsem Singh, evidente na maioria das suas obras, de Cell (Cela, 2000) a Mirror Mirror (Espelho Meu, Espelho Meu! Há Alguém Mais Gira do Que Eu?, 2012). Visualmente enriquecidos, quer em termos cénicos, quer em termos de guarda-roupa.
    • As apropriações culturais no cinema de Hollywood visto em produções como o oscarizado Slumdog Millionaire (Quem quer ser Bilionário?, 2008), dirigido a meias por Danny Boyle e a “bollywoodesca” Loveleen Tandan. A “peregrinação” de Mira Nair para a “Meca do cinema“, a sua estadia gerou produtos como Vanity Fair (A Feira das Vaidades, 2004) e The Namesake (O Bom Nome, 2006).
    • A co-produção entre os EUA e Índia em Marigold (de Willard Carroll, 2007), uma homenagem ao cinema de Bollywood que fracassou dando origem a um “branqueamento” de uma Índia fabulista. Marigold também serviu de título para o êxito de John Madden em 2011 (The Exotic Marigold Hotel) e a sequela de 2015.
    • O crescente sucesso de produções de Bollywood no mercado norte-americano, chegando ao ponto de figurarem no Top 20 do box-office dos EUA.

Velocidade Furiosa: uma nova produção bollywoodiana?

Obviamente que todo este fenómeno de influências, alusiva ao eterno retorno de Nietzsche, é uma questão de globalização. Esses efeitos transmitem cada vez mais uma sensação de utopia quanto a referências e marcas culturais como também étnicas. Mas, voltando ao início da questão, os blockbusters norte-americanos que nos dias de hoje vendem milhões de bilhetes em todo o Mundo, muitos deles quebrando invejáveis recordes, falam gradualmente uma língua “bollywoodiana“. O mesmo deparamos com uma Bollywood a citar a veia do seu antípoda. A descoberta do CGI, por exemplo, motivou uma crescente afluência para produções mais arriscadas a nível de conteúdo.

Velocidade Furiosa 7 não é mais que um arquétipo bollywoodesco construído para público ocidental, a esta altura o leitor deixa escapar um grito de espanto, decidindo recorrer à memória em busca de performances musicais e cantantes entre Vin Diesel e The Rock. Pois, o paralelismo invocado não está no evidente, mas sim no seu subliminar intimo.

A começar pelo mais vistoso, o filme de James Wan tem sim, momentos de pura musicalidade, não na forma transcendente como os mais clássicos modelos de Bollywood, mas disfarçados na narrativa que intriga e que fielmente segue. Entre eles, a longa sequência de dança emanada em Dubai, pura passagem de folia, contágio sexual e eufórico, ou até a ilícita “race wars” que aparece no início. Nestas especificas cenas, o filme tende em sair da sua própria realidade e interagir com a sua veia video-musical, um pouco como Bollywood faz com as suas personagens que de um momento para outro se vêem envolvidos numa dança que afronta a narrativa linear o qual se “pendurava“.

Como já havia dito, o CGI e o abuso dos stunts são dois elementos constantemente similares com as duas indústrias. Enquanto rimos que nem perdidos da imaginação tresloucada dos profissionais indianos em recriar acção insurgente das regras da física, fiquemos energéticos em seguir sequências idênticas num Furious 7, como se acreditássemos que os “carros pudessem voar“.

Mas os seus conflitos estão nas suas mensagens, a masculinidade que reina em ambos os lados, no caso do Velocidade Furiosa é evidente essa testerona, o foco que o filme tende em dar a um homoerotismo constantemente desmentido e obviamente o “bromance” que se comporta como combustão para todo o enredo. Tirando o último ponto, o cinema bollywoodiano goza dessa “veneração” ao homem, principalmente ao herói, determinado, justo e aparentemente sem falhas de carácter. Ambos são resultados de um sexismo absorvido e vivido nas respectivas sociedades, relembro que nestes exemplos as personagens femininas são esboços vagos existentes a fim de cumprir as necessidades do messiânico herói (par amoroso, motivo de conflito, letmotiv, demonstração de maniqueísmo).

O herói tende em ser um “outsider“, porém, revela-se num conservador moralista, no caso do Velocidade Furiosa. A personagem de Vin Diesel refere constantemente a criação de uma família, seguindo questões afectivas, ou as exibições de religiosidade, como se tal transmitisse os valores morais e éticos e a abundância do politicamente correcto. Em Bollywood, face algumas exceções, é um cinema leve, censurado, cujo herói é o exemplo individual do bem, e tudo vindo dele é justamente o correcto modelo a seguir. A religião, como havia referido, é tema recorrente e respeitado no cinema indiano.

Quanto à sexualidade, ambos são sugestivamente provocadores, mas não passam daí, em causa está a moralidade, o conservacionismo e como é óbvio, a censura causada pelos sistemas de avaliação. Os heróis são igualmente pólos atractivos para o sexo feminino, existe uma clara firmeza de que todas as mulheres do filme estão interessadas no protagonista. Contudo, esses mesmos seres heroicos são incuravelmente românticos.    

Por último, o nacionalismo, no caso da produção norte-americana poderíamos apelidar de patriotismo, e eles não fazem questão de esconder tal teor nas suas obras. Nos filmes de Hollywood, nomeadamente este Velocidade Furiosa, todo o Mundo fala inglês, e o resto dele é inserido em estereótipos que automaticamente identificam à sua cultura ou país. Em Bollywood, existe uma sobrevalorização de tudo o que é indiano. Nestas produções, Britânicos e Paquistaneses são por norma “demónios” alicerçados à vilania.

Sob o signo da selecção natural!

They say the open road helps you think about where you’ve been where your going”, a primeira frase de Vin Diesel no êxito de 2015 evidencia os caminhos que Hollywood segue actualmente, e sem querer focar no óbvio, as ideias começam sobretudo a faltar quanto mais a busca por novas linguagens cinematográficas e inovadores dispositivos narrativos. “Who cares“, a Hollywood moderna e recente é vista como um ponto de reciclagem, atenta a concepções e fórmulas que eventualmente surgem neste Mundo fora, Bollywood é só um molde de como é possível transformar algo, por vezes repugnado pelas audiências ocidentais, em “minas de ouro“.

Por outro lado, a popular indústria indiana cresceu à conta dessa “cruzada” pelas referências. Hoje encontra-se de olhos abertos para o seu redor, o mesmo que Hollywood. Pelos vistos os tempos das “ilhas cinéfilas” terminaram há muito.

Ver primeira parte do artigo aqui

Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Antoine Lavoisier

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