Terça-feira, 19 Março

Monstra 2018: nunca desperdice uma ereção

 

Never waste an erection”. Foi esta a frase que o avô de Emily Mantell disse à realizadora e que a inspirou a desenhar à mão e executar a curta-metragem To Have and to Hold, um trabalho de quatro minutos que foi apresentado na sessão Triple X, na Monstra – Festival de Animação de Lisboa. A sala do Cinema Ideal estava bem composta para assistir a trabalhos que provam que o Cinema de Animação não é só uma coisa para crianças.

No filme, de 2003, os pénis são os animais de estimação das mulheres e como qualquer cão são passeados nas ruas, afagados em casa, mas também disciplinados. Um trabalho impactante, com humor e um trabalho sonoro de beats contagiantes.

Antes dela, já tínhamos sido presenteados com o clássico absurdista e existencialista Repeat, de Michaela Pavlatova. Vencedor de prémios em Berlim e Annency em 1995, a curta usa os habituais truques do cinema de Pavlatova, que organiza o seu trabalho através de pequenos sketches repetitivos em que o desejo e o erótico não são o foco mas veículos que nos conduzem para a frustração e a falha das relações.

Mais explicita, mas igualmente belissima é Simbiosis Carnal, de Rocío Álvarez, que acompanha a carnalidade entre o homem e a mulher desde o início a vida, passando pela transformação da fêmea em símbolo da fertilidade e continuidade da espécie, a dissimulação do seu orgão sexual, o ataque ao seu prazer, o selo de castidade que lhe é imposto, a perseguição que sofre ao longo da história até aos dias de hoje. Rocio inverte as cores estabelecidas, com as mulheres a azul e os homens a rosa e traços à mão profundamente alegóricos bem orquestrados e acompanhados por uma banda sonora envolvente.

Chegou então Superbia, da húngara Luca Tóth, curta que passou na semana da crítica em Cannes (2016). No local Superbia, as regras separam os homens e as mulheres numa sociedade que vive consciente dos deuses. Trabalho de elevada espirtualidade e misticismo, Superbia é visualmente avassalador no uso de cores e traços fantasiosos e impressionistas. No enredo as terras dos homens e mulheres estão são separadas pelo rio Leite, cuja fonte é o Deus Vaca. Mas um homem e uma mulher encontram-se e apaixonam-se, começando a mudar as respetivas sociedades a partir de dentro.

A poesia da escritora e dramaturga Hilda Hist inspirou Sávio Leite a trabalhar em Vênus – Filó a Fadinha Lésbica, que já tinha passado pelo Queer Lisboa e que agora surge na Monstra. Todo o traço acompanha as poderosas palavras proferidas pela atriz Helena Ignez, um ícone do cinema marginal brasileiro, e que carrega o texto de HIst onde o humor e a sexualidade são fontes de provocação. 

E por falar em sexo, era impossível não falar de Topor et Moi (2004), filme de índole documental que é assinado pela falecida Sylvia Kristel e Rudd Den Drijver, O objeto mostra a ascensão da atriz de Emmanuelle e como esta encontrou uma segunda vida quando começou a colaborar com o ilustrador surrealista Roland Topor, que a ensinou a desenhar.

Seguiu-se Matiers à Rever, de Florence Miailhe, onde a imaginação e a imprevisibilidade podem e devem servir como inspiração para trabalhar com qualquer material e nos libertar do sonho até um trabalho executado.

Seguindo a linhagem de Beauty, e munindo-se de artifícios de animação 3D para dar vida e continuidade a pinturas reais, Rino Stefano Tagliafierro faz uma viagem no seu Peep Show através de um olhar discreto  sempre carregado de tensão sexual e de um tratamento voyeur numa jornada onde o erótico e o porno se cruzam sem qualquer forma exploratória.

Amourette, de Maja Gehrig, segue a via do eroticismo, apetite sexual e corrida contra o tempo com recurso à animação de bonecos de madeira, que se vão desgastando à medida que avançam de posição sexual em posição sexual.

Finalmente, surgiu What she wants, de Ruth Lingford. De 1994, este pequeno trabalho de animação 2D faz curiosamente lembrar Tram, de Pavlatova, onde seguimos uma mulher que no seu percurso vai passando por locais e situações carregados de forte componente erótica que lhe impelem uma exploração sexual. Executado com recurso a um computador doméstico Amiga 1500, este é um filme sobre como a sexualidade e o capitalismo estão de braços dados na criação do desejo carnal e consumista.

 

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