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Hollywood a toda a velocidade para Bollywood: as origens

Era uma vez …

Estamos em 2015, depois de uma tresanda de anúncios e trailers dos próximos “filmes-fenómenos”, chega por fim o nosso filme. Para muitos dos que partilham a sala de cinema comigo, este é o mais esperado do ano, quiçá em anos. Sala bem composta onde o público marcava presença através de sussurros, conversas alheias, gargalhadas ocasionais e vozes que se confundiam com o ambiente em que se vivia, porém, o silêncio toma forma no preciso momento em que o nosso filme arranca.

Depois de um prelúdio onde nos é apresentado o “vilão de serviço”, Jason Statham ocupando o tempo do espectador com o seu monólogo protector, somos amparados com os créditos iniciais até estes desvanecerem na estrada com a passagem de um 1970 Plymouth Barracuda, dentro desse veiculo duas das mais amadas personagens do nosso público dão entrada, “estão bem vivinhos da silva” pensam alguns. Michelle Rodriguez parece confusa nesta sequência “Come on Dom so where are you taking me?”, Vin Diesel no lugar do condutor responde com uma frase pseudoprofunda, uma filosofia de camionista que se enquadra como uma declaração de amor pela vida existente “They say the open road helps you think about where you’ve been where your going”.

Bem, pela descrição já podem adivinhar qual é o filme em questão, no caso de não reconhecerem, eu passo então a explicar. Trata-se de Furious 7, que por cá sob o título de Velocidade Furiosa 7, o sétimo capítulo de um franchise que tem conquistado milhões e milhões de fãs. O vórtice desse sucesso é um cocktail de elementos que tanto agradam o grande público, “good-looking guys”, heróis maçudos e viris, mulheres esculturais com roupas reduzidas, sequências de acção que incluem perseguições automobilísticas e combates corpo-a-corpo, assim como uma ciência envolto de automóveis personificados e de topo de gama.

Sim, a fórmula é vencedora, os actores contribuem para isso, muitos deles cumprindo o check-in com somente as respectivas presenças e os realizadores, meros artesões ao serviço de um grande estúdio, tentam a custo ter “mão” numa industrialização em série. Os objetivos estão definidos, Furious 7 não é uma obra intimista, experimental, nem aspirando ser mais do que um “arrasa-quarteirões” (blockbuster), é em todo o caso, e não querendo reduzir o conceito de cinema em “castas”, um filme de povo, um entretenimento popular. Hollywood está mais que habituado em criar esse tipo de produções, “crowd pleasure” assim chamados, mas não é o único a fazê-lo.

Sendo óbvio que todas as produções locais e nacionais têm os seus sucessos de bilheteiras e as suas fórmulas triunfantes (relembramos que em Portugal “coisas” como Crime do Padre Amaro e Pátio das Cantigas detém o recorde de espectadores), apenas um mercado cinematográfico é capaz de rivalizar, e em certos casos superar, em número o comércio de Hollywood. Trata-se de Bollywood, cujo “B” não é silencioso, mas é referente a Bombaim (oficialmente Mumbai), a maior e mais importante cidade da Índia, a “terra dos sonhos” para grande parte da população indiana, onde todos os anos milhares de produções são lançadas tendo como grande objectivo atingir o público e “amimalhar” os seus quinhões de rupias.

É um tipo de cinema hoje atribuído ao maneirismo, ao senso comum que lhe cataloga num profundo estereótipo, numa receita que parece hoje estar presente moda até mesmo na nossa própria cultura: um rapaz, uma rapariga e uma árvore o qual serve de cenário para um evento de dança. Essa descrição tem sido mais que suficiente para que os amantes de cinema mais ocidental (e mesmo oriental) evitem o contacto para com esta indústria de sucesso, porém, ainda pouco explorada. Mas existe uma razão para esta invocação e ainda mais o paralelismo entre o último Velocidade Furiosa e as modernas produções bollywoodescas. Como diria Miguel Gomes na sua trilogia Mil e uma Noites,ou existe paralelismo, ou é puramente abstracto. Mas o abstracto é algo dado a vertigens“. Para entendermos a relação entre estes dois pontos, devemos regressar aos primórdios do cinema, em alturas em que a Sétima Arte dava os seus primeiros passos e que a Índia desafiada por este novo “diamante bruto“, explora uma plataforma a fim de reivindica-la como sua.

Bollywood: uma breve história!

Ao contrário do que possa julgar, a Índia foi um dos primeiros países a obter contacto com o engenho dos irmãos Lumière (em 1896). Tecnicamente, não era um país absoluto nessa altura, mas sim uma colónia inglesa, um facto que levou o subcontinente a produzir excertos fílmicos aos estilos dos primeiros ensaios da dupla criadora primeiro que muitos outros locais. O primeiro fragmento cinematográfico puramente indiano surgiu em 1899 com The Wrestlers, a filmagem de um combate de wrestling local. Todavia, só em 1913 chega a primeira longa-metragem, o início do Bollywood propriamente dito, com o mudo Raja Harishchandra (realizado por Dadasaheb Phalke), atualmente perdido.

Eram filmes populares que seguiam de acordo com o agrado do público, compondo dramas familiares vinculados por uma Índia tradicional e religiosa. Assim, as produções tornaram-se cada vez mais abundantes, até que em 1930 chegaram a ser filmados mais de 200 filmes por ano, mas existia uma ausência nestas populares histórias de grande ecrã, algo que evitava uma entrada na verídica alma destes seres bailantes – a voz. Em ’31, Bollywood aprende a cantar com Alam Ara (de Ardeshir Irani), a popularidade levou as autoridades a conterem as multidões em certas regiões e a partir daí seguiram ciclos que fermentavam ainda mais fama deste cinema, assim como a vanglória da exacta indústria.

Na década de 40, a tendência cinematográfica de Bombaim propaga-se para as regiões de Tamil, Telugu e Kannada, convertendo o cinema indiano numa arte polivalente, poliglota (detendo várias línguas e dialectos), assim como culturalmente diversificada (tendo em conta a cultura interior das suas respectivas religiões). Mesmo apresentado com histórias e intrigas popularmente identificáveis com a sua população, Bollywood teve que procurar influências para erguer-se de maneira pujante, e esses mesmos teores vieram de Hollywood, nomeadamente os seus musicais dos anos 20 e 30, das suas estrelas e claro do próprio modelo de star system. O cinema indiano replicou a sua Hollywood.

Contudo, a década 50 foi bem mais complicada e crucial para a Índia, mas os resultados foram satisfatórios. Com a luta pela independência, Bollywood revitalizou-se, ficou mais forte e firme no comércio local como global, a chamada Idade de Ouro desta indústria e nota-se que nesse momento Hollywood vai perdendo a sua pujança, o seu brilho e a sua credibilidade. É também neste período que entra em cena os autores; Adoor Gopalakrishnan, Ritwik Ghatak, Aravindan, Satyajit Ray, Shaji Karun, que contribuíram para a fama e de alguma “dignidade cinéfila” do cinema indiano no resto do Mundo. Duas décadas depois, à imagem do que sucedia nos EUA, Bollywood “contrata” os seus filmes violentos, predominando a temática dos gangsters e outros anti-heróis, como forma de desafiar e contornar a censura estabelecida na indústria desde os anos 30.

Os anos 90, os dramas familiares dominam as apostas cinematográficas na Índia, o estereótipo é formado: filmes longos, recheados de canções e dança sincronizada, enredos de heróis apaixonados por raparigas prometidas, vilões maniqueístas e a árvore como um tremendo símbolo de paz interior e da relação sempre acentuada entre Homem e Natureza. Bollywood praticava esta fórmula no limiar da exaustão, mas tirando os seus maneirismos reconhecíveis, não era de todo um cinema que diferenciasse daquelas cujas inspirações embebeu. Aliás, Bollywood era uma autêntica máquina produtiva de cópias exactas de Hollywood, de forma a não render ao mercado americano e tornar vivo o seu próprio cinema, uma possível essência revolucionária ainda resida da sua “prisão colonial“.

Ver segunda parte do artigo aqui [1]