Terça-feira, 19 Março

Pode um discurso minar por completo a perceção anterior de um filme?

Sexta-feira, 5 de janeiro, 23h30m. Saído com uma amiga da sessão da noite de The Disaster Artist, a sensação principal testemunhada foi a de puro contágio entre o que se passava no ecrã e na sala de cinema.

Pela primeira vez, vi pessoas a dançar neste espaço (tema em questão: The Rhythm of the Night de Corona, que encerra os créditos do filme). Uma onda de positivismo varria os rostos. Teríamos testemunhado uma carta de amor ao cinema “faça você mesmo”, aos cromos da vida que conseguiram triunfar, a nunca desistir dos nossos sonhos. Afinal de contas, tudo batia certo: o realizador e estrela principal, James Franco, também ele tentou ser vendido como o novo James Dean. Tommy Wiseau quis ser James Dean. Ambos acabaram à margem das suas expetativas; ou no caso de Franco, das expetativas de quem geria a sua imagem. Quem melhor que Franco para agir como espelho do cromo deste século, do anterior e do próximo que é Tommy Wiseau?

Esta mimetização, olhando para trás, já tinha um contorno de “esfreganço” no espectador, um toque de “vejam como fui perfeito” que está muito alinhado com a persona de Franco (e Wiseau?). Continua-se a olhar para os créditos. Franco tomou a opção de meter lado a lado a imitação e o original, consciência da subversão que a sua imitação pode até não só ficar mais legitimada no canone cinematográfico que o infame The Room, como poderá até ganhar um público que a obra original de Wiseau nunca teve, e pode nem vir a ter. (a amiga em questão não tinha visto The Room))

Na sempre iluminada internet, ao longo do fim de semana, oiço opiniões que referem o oportunismo de Franco, em vez do “olhar de frente” para o outro artista-desastre que a mim e a muitos presentes ficou. 

Segunda-feira, 8 de janeiro, noite. Ao contrário de outros anos, decidi não prestar atenção aos Globos de Ouro. No meu feed de Facebook, no dia anterior, fiz questão de salientar que James Franco é o meu cavalo #1 à vitória em qualquer categoria. A febre estava no pico. 

Oiço, no dia seguinte, uns comentários em como Franco acabou por tirar o microfone logo depois de chamar Wiseau ao palco. Decido ver. Em má hora o fiz, ou então em má hora James Franco tinha que subir para um palco. Uma das duas, pelo menos. A separação entre as figuras “reais” (entre as quais se encontra o autor do livro que gerou este filme) e a gente de Hollywood em mesas bem separadas da sala, a diferença de classes, poderia ser o suficiente para fazer cair a ficha. Não, Wiseau não triunfou. E o “woah woah woah woah” que Franco dirigiu na altura de lhe tirar o microfone foi prova derradeira disso; uma farpa no coração.

Revi mentalmente o que tinha visto no cinema. Revi mentalmente a obra passada do ator enquanto cineasta artístico (e aquele bluff autêntico que foi Interior. Leather Bar). Franco não é um desastre de artista, é um ilusionista pop incrivelmente adequado tanto aos tempos que vivemos como ao medium das ilusões que sempre foi o cinema. Só que, daquele segundo em diante, o truque mostrou-se. Franco pode não só, com um discurso, ter estragado a minha perceção anterior das suas intenções com The Disaster Artist, olhando bem mais de cima o seu par do que o tinha dado a entender com o visionamento do próprio filme. Pode ter estragado também The Rhythm of the Night

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