Terça-feira, 19 Março

Frances McDormand: “o meu modelo foi John Wayne”

A carreira de Frances McDormand no Cinema começou nos anos 80, quando participou em Sangue por Sangue, filme assinado pelo seu marido, Joel Coen (casaram em 1984).

Foi com os irmãos Coen que foi marcando a sua carreira, deixando em 1996 aquela que era – até este Três Cartazes à Beira da Estrada – a sua personagem mais icónica e que lhe valeu o Oscar de melhor atriz: Marge Gunderson, a polícia “extremamente grávida”, algo bizarra, mas alegre de Fargo que tem de deslindar o caso de um rapto encomendado que dá para o torto.  

Vinte e um anos depois, e após ter tido inúmeros papéis relevantes na sétima arte, quer seja em Quase Famosos, de Cameron Crowe, ou em Moonrise Kingdom de Wes Anderson, McDormand volta a explodir e a mostrar o seu carisma num papel habitualmente entregue ao sexo masculino: o de alguém que se vira contra todos numa cidade.


Fargo

Tudo começou há quinze anos atrás, quando a vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz (drama) conheceu Martin McDonagh, na apresentação da peça The Pillowman. Depois de falar brevemente sobre a nova carreira cinematográfica do britânico, McDormand sugeriu que ele escrevesse um papel para ela num filme seu: “15 anos depois, ele me enviou o guião “, diz. “Li, amei, e não podia acreditar na minha sorte por ser convidada para ser a Mildred“.

Em Três Cartazes à Beira da Estrada, a atriz interpreta o papel de uma mulher verdadeiramente resistente que, após a passividade da polícia em resolver a violação e assassinato da sua filha adolescente, decide provocar os agentes de autoridade com a colocação de três cartazes à beira da estrada, gerando toda uma controvérsia na comunidade.

Eu escrevi a Mildred para a Frances“, diz McDonagh. “Não havia nenhuma outra atriz que achei que tivesse todos os elementos que a Mildred precisava. Ela tinha que estar muito em contato com uma espécie de sensibilidade da classe trabalhadora, bem como uma sensibilidade rural. Ela também precisava ser alguém que não caía em sentimentalizar a personagem. Todo o trabalho de Frances é fundamentalmente verdadeiro. Eu sabia que ela poderia tocar a escuridão da Mildred, mas também ter destreza com o humor, mantendo-se fiel à Mildred como um todo“.

 

A inspiração em John Wayne


Três Cartazes à Beira da Estrada

Para se preparar para o seu papel, McDormand confessa ter procurado ícones em diversos filmes para modelar a sua performance, não conseguindo encontrar inspiração em mulheres; “Havia a Pam Grier nos filmes de blaxploitation da década de 1970, mas as suas personagens estavam a lutar contra homens pela sexualidade, o que não é o caso da Mildred. A única referência possível, aos meus olhos, foi John Wayne. Pensei em A Desaparecida, onde ele interpreta um tipo extremamente racista, por quem o espectador acaba por ter uma grande empatia. É o mesmo tipo de relação que o espectador pode ter com a Mildred, por isso decidi seguir seus passos … mesmo que eu não calce o 43! “, disse a atriz no último Festival de Veneza, continuando… “Ela está mais na tradição do homem misterioso do Spaghetti Western, que vem andando pelo centro da rua, puxa das armas e atira a todos – embora eu pense que é importante que as únicas armas que a Mildred alguma vez use são o seu juízo e um cocktail molotov “.

O próprio marido da atriz deu-lhe uma dica importante sobre a preparação do papel: “Foi o Joel que me disse:” uma pessoa não se torna um duro, a Mildred sempre foi durona. Sob estas circunstâncias, ela está agora a usar totalmente esse lado, mas essa qualidade sempre esteve lá – o que, também acho, explica a sua situação doméstica com o marido Charlie “.

 

Mais que a vingança

Numa “história que transcende o género para dizer algo sobre a condição humana”, McDormand sublinha que a sua personagem é bem mais complexa do que aparenta e que acima de tudo procura justiça: “Ela é uma pessoa muito mais complicada do que isso. Ela ficou de luto na terra de ninguém, num lugar sem regresso. Uma das coisas em que pensei em relação à Mildred é que não há nenhuma palavra na maioria das línguas para o sítio onde ela está. Se perderes um marido, és uma viúva; Se perdes um pai, és órfão. Mas não há nenhuma palavra para um pai ou mãe que perdeu uma criança, pois não é suposto que isso aconteça biologicamente. É algo além da capacidade da linguagem – e é aí que a Mildred foi deixada“.

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