Terça-feira, 19 Março

Nico: Velvet Underground: de musa a “junkie gorda”

Nico (no filme vivida por Trine Dyrholm, vencedora do prémio de Melhor Atriz no último Festival de Berlim por “A Comunidade”) passou os seus últimos anos em Manchester. No início de Nico – 1988, que abriu a Horizontes no último Festival de Veneza e agora surge no Festival de Sevilha, ela dá uma entrevista a uma rádio local. O entrevistador desconhece completamente a sua carreira solo. Daí para o constrangimento é um caminho rápido: “Gostaria de nos contar sobre a sua experiência nos Velvet Underground?“. Resposta curta e grossa: “não”.

Mas o curso da história não depende da vontade de Nico – ex-modelo e depois cantora/compositora que morreu em 1988. É pelos quatro clássicos que canta no mítico “álbum da banana” que ela cristalizou-se na memória coletiva. Entende-se a antipatia: essencialmente ela foi lá parar por uma ideia de Andy Warhol, angariando logo o ódio de Lou Reed. Mais tarde no filme, um pouco mais simpática, é a própria a dizer: “cantei quatro músicas e, no resto do tempo, só ficava lá no fundo a tocar pandeireta“. O mesmo Warhol mais tarde vaticinava que ela se havia transformado numa “junkie’ gorda“.

A realizadora Suzanna Nicchiarelli mostra mesmo isso – concluindo algo perigoso: que ela “corajosamente” assumiu que estava a envelhecer e não se “importava com a opinião dos outros“.

Intenções deste projeto ítalo-belga à parte, a vida de Nico dava um épico: nasce sobre as ruínas de uma Alemanha destruída na 2ª Guerra Mundial, circula pelo mundo todo, tem um filho de Alain Delon (nunca assumido por este, mas criado pelos seus pais) e, num belo dia, vai desencantar na Factory de Warhol. E daí para a História.

O filme não é sobre isso, como também não é sobre os seus clássicos a solo. Aliás, comete-se aqui um erro grosseiro ao mencionar “The Marble Index” como seu primeiro álbum – quando este foi “Chelsea Girl“. Alguns dos seus trabalhos a solo tiveram produção de John Cale e foram fracassos de público. Sobre um deles, disse Cale: “bem, como se pode vender o suicídio?”.

Depois de 15 anos de adição à heroína, com tentativas de suicídio pelo caminho, a história do filme começa (1986). E o que faz Nico, que a estas alturas já pedia para a chamarem de Christa (seu verdadeiro nome)? Basicamente excursiona por pequenos espaços com músicos que ela chama de “amadores” (“não é fácil achar alguém que queira tocar comigo, hoje em dia“), “chuta-se“, tenta resgatar o filho que abandonou “por ser muito jovem para o criar” (também ele “junkie” e suicida) e, quando parece estar a sair finalmente desta imagem de completa decadência, esta mulher da noite, já sem drogas, cai de bicicleta num passeio matinal em Ibiza, depois de um ataque cardíaco.

Alguns números musicais são insólitos – e há pelo menos um que causa faísca pelo contexto: Nico e sua banda estão atrás da Cortina de Ferro, em Praga. Jovens organizadores correm risco de vida para organizarem o concerto; repressão (mais falta de heroína…) é libertada numa performance incendiária. De resto, algumas contradições, como um espetáculo onde canta o seu clássico supremo com os Velvet (“All Tomorrow Parties“) e, pasme-se, os créditos finais a passarem com uma versão de “Big Japan” na voz de Dyrholm, “clássico” pop dos Alphaville já devidamente triturado pelos Guano Apes.

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