- C7nema.net - https://c7nema.net -

Doclisboa: B’Tselem – registos da segregação na Palestina

A sala 2 do Cinema São Jorge encheu ontem (23/10) para uma sessão especial onde o foco era o B’Tselem, o coletivo israelita formado em 1989 com o intuito de denunciar as violações dos direitos humanos perpetrados pelo Estado Israelita nos Territórios Ocupados da Palestina.

Para além da apresentação de pequenos vídeos/curtas-metragens resultantes do Camera Project, um projeto do coletivo que visou a partir de 2007 distribuir câmaras e treinar os palestinianos a filmar, para que documentem as violações de direitos que presenciam, houve ainda tempo para um debate de ideias com a documentarista Helen Yanovsky, membra do grupo, que explicou os objetivos e metas desta organização.

Uma guerrilha armada com câmaras…

Os primeiros trabalhos apresentados na sessão, e dividindo o bolo em 3 níveis [Casos isolados/Diário de uma Jovem/O impacto do Camera Project], concentram-se em situações tão dramáticas e revoltantes (Extrajudicial Killing in Broad Daylight, Border Police Officer kicks Palestinian Child, Military Sprays along Gaza Perimeter Fence), como absurdas ou ridículas (Settler on the Roof, Just Like in a Zoo), ou ainda verdadeiras demonstrações de verdadeiro Apartheid (Military renews Segregation on Main Street in Hebron).

Estes são pequenos segmentos, quase trabalhos jornalísticos in situ, alguns do quais, como aquele onde assistimos a um assassinato à queima-roupa, com verdadeiro impacto no território, pois «as imagens tornaram-se virais» e o caso chegou aos tribunais, embora as penas tenham sido ténues (12 meses de prisão efetiva, 18 meses de pena suspensa), muito com a ajuda do governo israelita, na figura do primeiro-ministro, que defendeu a decisão tomada pelo soldado.

«Estas imagens foram muito importantes, porque antes delas (…) só existiam rumores», disse a representante do B’Tselem, dando a entender que começaram a surgir provas e um contexto mais próximo do que aconteceu nos mais variados incidentes. Por outro lado, alguns dos vídeos mostram jovens soldados muito jovens a seguirem ordens superiores sem o ato de questionar, detendo outros jovens, alguns do próprio coletivo (Soldiers assault and detain B’Tselem Volunteer).

Pobreza extrema e famílias separadas por Checkpoints 

Seguiu-se um documentário (A Weekend Visit Home) sobre uma jovem universitária de 19 anos que vive fora das zonas urbanas, numa zona onde a sua família tem de estar separada devido à presença dos inevitáveis pontos de controlo, mas também por uma base militar no topo de um monte. Tudo isto numa terra inóspita, onde apenas o pastoreio parece ser a única fonte de rendimento família, que tem ainda de viver sem eletricidade e com limitações enormes no acesso à água – um valor básico vendido a peso de ouro.

A força do Camera Project

Finalmente, foram ainda apresentados dois documentários resultantes do Camera Project: Smile, and the World Will Smile Back, que esteve presente no Festival de Berlim, e The Boy from H2, filmado pela própria Yanovsky.

Em qualquer um deles vemos a interação dos militares com a população, sendo filmado no primeiro a invasão da casa de uma família da Palestina, que viu e captou as imagens do local a ser revistado aleatoriamente e minuciosamente. Assistimos ainda à confrontação dos soldados com um jovem com tendência para o sarcasmo (algo que não é muito bem visto). No segundo trabalho, vemos a forma como as crianças têm de lidar com os militares, passando sucessivas vezes por checkpoints segregadores.

O B’Tselem nos dias de hoje

 

Se inicialmente o B’Tselem queria «consciencializar» a população israelita para o que se passava na Palestina, nos tempos que correm «procura-se cada vez mais o público internacional», uma mudança que Yanovsky revela fulcral, pois o clima que se vive em Israel condiciona ainda mais o seu trabalho, que já era muito complicado desde a segunda Intifada (2000-2005).

«Era muito difícil de falar de direitos humanos na Palestina quando estavamos em guerra», explica a cineasta, que diz que com a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA e o aumento do poder das forças de direita conservadora no país, tornou-se tudo ainda mais intricado. «Eu comecei a trabalhar há cinco anos com o coletivo. Antigamente não tinha problemas em dizer o que fazia. Hoje não abro a boca em público sobre o que faço», dando mesmo o exemplo de um colega cineasta da ala mais à esquerda que chegou a questionar se ela tinha a «certeza que os vídeos [ divulgados pelo coletivo] não eram fabricados». Se até as pessoas «que te conhecem perguntam este género de coisas, é porque as coisas estão a tornar-se piores (…) foi por isso que o B’Tselem mudou o seu foco (…) e procuramos chegar também para um público internacional».

Yanovsky afirmou ainda que o B’Tselem tem elementos que fazem a pesquisa no terreno da veracidade do material que lhes chega, não tendo dúvidas que independentemente disso tudo, com tantas câmaras no terreno, «os soldados têm mais receio de disparar» indiscriminadamente, tendo assim estas objetivas um «efeito dissuasor da violência» e dos atos à margem da lei.