Terça-feira, 19 Março

Os Produtores – Ep 6: Carroças e como empurrá-las

No restaurante The Dhinning, o Produtor aguarda pela chegada de mais uma proposta

Produtor- Ele disse isso? Mas tu chegaste mesmo a ver o Spaced? Pois, nem eu… Olha, tenho que desligar, o Cameron chegou, depois conto-te. [Desliga o telemóvel]  James!

James Cameron- Epá desculpa lá o atraso mas tive que estacionar o meu Ego em segunda fila. O que vale é que eles não passam a esta hora.

Chega o empregado de mesa

O Empregado de Mesa- Pois não, os senhores já escolheram?

Produtor- Sim, para mim pode ser uma fatia de Bella Tarrte. E tu?

James Cameron- Eu é uma pasta Fellini com uma Tequila Mockingbird. Qual é o prato do dia?

O Empregado de Mesa- Sopa de Adewale Akinnuoye-Agbaje.

James Cameron- Como é a sopa?

O Emprego de Mesa- É caldo verde mas com mais chouriça.

James Cameron- Hmm, pode ser. E umas Truffauts de chocolate. É tudo.

O empregado de mesa leva os menus e procede a ir receber abaixo do salário justo

Produtor- Então conta lá, que projecto é esse que me querias contar com tanta urgência?

James Cameron- Deixa chegar a tequila. Como é que isso anda de filmes?

Produtor- Olha nós vamos agora lançar a sequela do Blade Runner porque já estávamos fartos de ter as pessoas a gritar e a enviarem e-mails a dizer o quanto gostariam de ter uma sequela ao filme original. E depois vamos ter um que se chama Ready Player One que quando o Spielberg me explicou fiquei de boca aberta.

James Cameron- Vai ser brutal então?

Produtor- Não sei, não percebi nada do que ele disse. Só sei que precisava de um DeLorean para umas coisas. Mas pronto, com o Spielberg não se brinca ou ele arranja forma de ficar com o nosso lugar.

James Cameron- Acredito, ele sempre foi um bocad-..

O Empregado de Mesa- Ora aqui está! Bom apetite.

O Empregado de Mesa procede a ir ouvir uma senhora que não teve o café suficientemente cheio como ela bem aprecia, resultando num embaraço à frente dos clientes

Produtor-  Mas pronto, há coisas que realmente… Enfim. Agora que chegou a tequila, podes contar que projecto é esse que não podia esperar até Dezembro? Tanta pressa para ter este almoço…

James Cameron bebe a Tequila num único trago. Pousa o copo e olha o produtor nos olhos como um aspirante a realizador que ganhou um concurso no Facebook e agora sente vontade de enfrentar o mundo.

James Cameron- Abreu, o que tenho para te contar é incrível. Eu pensei bastante nisto e…bem, é o meu projecto de sonho que decidi avançar.

Produtor- Boa. Preciso de projectos assim.

O Produtor decide dar uma garfada na tarte, uma vez que era o turno de James Cameron responder

James Cameron- Abreu…. Eu vou fazer o Avatar 5.

O Produtor apercebe-se que terá escolhido mal a altura de saborear a tarte, já que viu-se obrigado a engasgar-se no pedaço durante 9 segundos até o empregado de mesa lhe fazer o Heimlich

James Cameron- Estás bem?

Produtor- [suado e ofegante como eu a subir escadas] E tu, estás?! Avatar 5? O que aconteceu ao 4, 3, 2 e 1?

James Cameron- Mas eu fiz o 1…

Produtor- Eu sei, e o que lhe aconteceu? Pocahontas no espaço?

James Cameron- Sim, essa piada não envelheceu nada em 8 anos.

Produtor- Envelheceu melhor do que o filme! James, a sério, não te parece ridículo? Talvez se te levantares e disseres em voz alta…

James Cameron- Estamos a falar do filme que detém o top do boxoffice. Pensei que estarias a salivar.

Produtor- E estou, acredita. Mas por uma sequela, não por promessas. Faz primeiro o 2. Até percebo a lógica de fazeres o 2 e o 3 ao mesmo tempo. Mas já falas no 5? Onde está o 2?

James Cameron- No meu disco rígido.

Produtor- J-já terminaste?

James Cameron- Tenho 30 minutos de filmagens. Mas já comecei a editar os primeiros 15 minutos do 4!

Produtor- Achas normal teres a lata de me chamar para um almoço-

James Cameron- Abreu, estás a fazer uma cena, o Peter Jackson está a olhar. Até a senhora do café vazio calou-se!

Produtor- [continua]..para eu produzir o Avatar 5 enquanto estou há 8 anos para ver um teaser poster do 2?

James Cameron- Ok, ouve, eu já sabia que ia ser difícil acreditares na minha visão..

Produtor- Visão? Imaginação!

James Cameron- Mas escuta, posso não ter os filmes para te mostrar uma sneak peak mas tenho aqui alguns posters e resumos do que pretendo fazer.

Produtor- É bom que me convenças.

James Cameron- Vais ver que sim. Comecemos pelo 2.

James Cameron- No 2, chamado Avatares, o Sam Worthington tem de voltar ao passado para salvar a Michelle Rodriguez, o que resulta na existência de dois Sam Worthington, no mesmo filme. Logo aqui podemos aproveitar o dobro da popularidade do Sam, até podemos pôr o nome dele duas vezes no poster que o público vai achar que são duas personagens distintas. O que acontece é que a Zoe Saldana começa a estranhar que este Sam Worthington, o do futuro, já não tem o mesmo interesse em conectar as fibras capilares, e percebes porque no início do 2, que cronologicamente acaba por ser o último das duas trilogias-..

Produtor- Das duas trilogias-?!

James Cameron- Já lá vamos, calma. Percebes no início que o Sam está farto de estar rodeado de Na’Vis bebés e ter de aturar a Zoe Saldana que agora está velha e só quer ver os episódios do Amor Maior. Ele diz que vai num instante comprar tabaco e sai para o passado para salvar a Michelle Rodriguez mas, no fundo, também para apanhar ar e ver outras pessoas. O filme acaba com ele a conseguir salvar a Michelle Rodriguez mas vês no final um ovo a partir-se e a sair de lá o Stephen Lang. Fim, créditos.

Produtor-….

Hã?

James Cameron- Agora vamos ao 3.

James Cameron- Em português o título ficará Avatar 3: Na’Vi por isso Na’Sei. O Avatar 3 é o culminar de tudo o que vimos até agora, este é o ponto onde os segredos são revelados.

Produtor- O que há para culminar?

James Cameron- Durante a viagem para o futuro, a Michelle Rodriguez sofreu um choque interdimensional que lhe fez ter amnésia.

Produtor- Ugh, James… Já vimos isso no Fast & Furious e no Resident Evil Retribution. E eu nem acredito que acabei de referenciar isto…

James Cameron- Aqui é diferente. Para salvar a memória dela, a Sigorney Weaver diz “Anda cá sua bitch” e transforma-a num Na’Vi, mas a transformação não corre bem e ela torna-se numa Na’Vi’Má, uma Na’Vi do mal, portanto. E aqui ficamos a saber que ela já tinha viajado no tempo antes, sendo que foi ela que plantou a árvore do primeiro filme que, na verdade, está a matar o planeta. Então o Sam.. huuh.. estás a acompanhar?

Produtor- Desculpa estava a ver os recibos que tinha na carteira. Diz lá, o Stephen Lang o quê?

James Cameron- Ah, já vais aí. Pois, o Stephen Lang mata a Michelle Rodriguez porque ele quer o poder da árvore. Então os Na’Vi dizem :”eish, má onda” e lutam contra ele para protegerem a árvore porque acreditam que tudo o que é natural tem a sua razão de viver.

Produtor- Então mas isso é o primeiro filme outra vez.

James Cameron- Não porque o Stephen Lang aqui tem mais cicatrizes na cara. E os Na’Vi morrem todos porque a árvore não produzia ar mas sim poluição em forma de gasóleo a preços inflacionados pelo Estado. Só que vais a ver e afinal sobreviveu o Sam Worthington porque entre ele e a Zoe Saldana as pessoas reconhecem-no como estando em melhores filmes. O filme acaba como o Sam Worthington a ir atrás do Stephen Lang para o planeta LV-Pandora2.

Produtor- Isso foi o culminar?

James Cameron- Sim, tinha tudo. A árvore do primeiro, o Stephen Lang.

Produtor- E queres fazer 5 filmes desta merda?

James Cameron- O 4 é diferente porque é uma espécie de parte 1 e o 5 a parte 2.

James Cameron- No 4 as coisas começam a aquecer.

Produtor- [Coloca as palmas na testa] Mal posso esperar.

James Cameron- O Sam Worthington chega ao planeta LV-PANDORA2 e descobre uma nova espécie chamada No’Na’Me. Os No’Na’Me são uma espécie parecida ao Na’Vi mas são todos vermelhos.

Produtor- Logo vi.

James Cameron- Então, o Sam Worthington tem de usar uma tecnologia que permite ele infiltrar-se na espécie.

Produtor- Deixa-me adivinhar: chama-se Avatar?

James Cameron- Boa, estás atento. Ao início eu sei que isto parece confuso mas com atenção vais percebendo tudo. Mas voltando ao filme, os No’Na’Me são iguais aos Na’Vi mas têm uma diferença importante, além de serem vermelhos e terem uma tendência esquisita por violência. Esta espécie anda toda de cadeira de rodas. O que será a decisão que o Sam Worthington tem de tomar no filme: se quer ser humano mas andar de cadeira de rodas e só ter elevador em algumas estações do metro, se quer ser Na’Vi e andar a pé no pinhal ou se quer ser um No’Na’Me de cadeira de rodas. Então ele passa o quarto filme a andar pelo mundo à procura de 7 talismãs que lhe podem dar a resposta e derrotar o Stephen Lang. O filme acaba com ele a conseguir 6 talismãs, sendo que no quinto filme ele tem de achar o último. Isto tudo ao som do Nick Cave.

Produtor- Eu lembro-me de ansiar pelos teus filmes.

James Cameron- No Avatar 5 o Sam-..

Produtor- Huuh, desculpa… Avatar 5?

James Cameron- Sim.

Produtor- É só assim? Avatar 5?

James Cameron- Sim, é o quinto filme. Avatar 5, portanto.

Produtor- [virando-se] Olhe, se faz favor!

Empregado de mesa- É a conta?

Produtor- Não, traga também uma Tequila Mockingbird para mim se fizer o favor. Obrigado. Continua James.

James Cameron- Bem, o Sam Worthington passa uma grande parte do filme a pensar o que significa ser No’Na’Me e a ter flashbacks de quando era abusado pelos bullys no Liceu Camões. E é aqui que ele descobre qual é o último talismã para derrotar Stephen Lang. Na verdade, o último talismã não é um bem material mas sim-..

Produtor- Ele próprio.

James Cameron- Hã? 

Produtor- O último talismã é ele próprio.

James Cameron- Não. Que estupidez.  Não, o último talismã é o poder do amor que ele afinal tinha pela Zoe Saldana, tendo saudades dos filhos que mandou abater para não pagar subsídios. E é essa força que o faz derrotar o Stephen Lang com uma metralhadora. O filme acaba com ele a ter de ir ao Vasco da Gama por o metro do Colombo não ter elevador.

Produtor- Ao fim destes anos todos… James, eu estou sem palavras…

James Cameron- Eu sei. Eu pensei muito neste universo, é o meu bebé, e como tal quero explorá-lo ao máximo. Agora, se este quinto filme for bem recebido, podemos pensar no 6.

Produtor- Como assim?

James Cameron- Eu tenho algumas ideias para o 6 mas não acho que seja sensato arriscar sem saber como o público reage ao 5. É perigoso investir sem ter noção do mercado e por isso prefiro testar primeiro as águas como se costuma dizer sem estar já a anunciar publicamente o 6. Vemos primeiro como é que este corre.

Produtor- Eu sinto a necessidade de descrever que estou de boca aberta.

James Cameron- Eu sei, eu pensei muito nisto ao longo da vida e é algo que preciso de concretizar.

Produtor- James.. todas as sequelas que descreveste parecem-me não só horríveis como substancialmente piores do que o primeiro filme, que de substância não tinha nada. E além disso, explica-me como é que isto está a demorar tanto tempo a ser feito?! Pelo menos o 2!

James Cameron- Porque eu estou a desenvolver a tecnologia para que chegue aos calcanhares da minha visão.

Produtor- É assim, o primeiro foi incrível em 3D, ninguém te tira isso, mas demoraste tanto tempo que já ninguém quer saber do 3D. Quanto muito, agora rende o IMAX e mesmo assim somos mais nós a dizer que vale a pena do que o público.

James Cameron- Mas isso é porque o público precisa de ser disciplinado. Eu mostrei-lhes o verdadeiro 3D, agora vou mostrar a próxima fase.

Produtor- Que é?

James Cameron- Generated Holograms Among Yourself, ou GHAY.

Produtor- Isso é?

James Cameron- Como o nome dá a entender, o segundo filme é rodado em hologramas. Imagina o conceito de VR, em que podes ver 360º mas sem os óculos. Parece mesmo que o Sam Worthington está nu e azul atrás de ti.

Produtor- Huuh..bem.. por acaso assim por alto parece impressionante…

James Cameron- Mas não é só isso. No terceiro filme além de GHAY também terá uns macacos muito bem treinados que dão com a cauda na cabeça das pessoas em sintonia com a cena das lianas. As sessões terão é que ser em salas mais pequenas porque não temos muitos macacos e o sindicato diz que eles têm de repousar, portanto temos que rodar os turnos dos macacos, mas se me deres tempo eu ainda consigo pôr alguns lémures a fazer o mesmo.

Produtor- Acho que estou a ficar outra vez desidratado…

James Cameron- O quarto filme, como é passado no oceano, será exibido com a tecnologia GHAY mas no zoo marine. Tem é de ser no intervalo dos golfinhos mas para compensar cabe mais gente no tanque por isso acaba por ser ela-por-ela.

Produtor-…

James Cameron-…

Produtor- Despacha-te lá a contar o quinto, vá.

James Cameron- O Avatar 5, como decorre num vulcão, iremos exibir em GHAY mas com o ar condicionado desligado para as pessoas sentirem mesmo que estão lá. É fundamental estrear em Agosto.

Produtor- Ok, olha, se eu vou financiar isto tudo, tens de lançar o Terminator em 3D, mas com aquela qualidade que tanto criticaste.

James Cameron- O primeiro filme?

Produtor- Não, o 2! O primeiro não vende.

Aproxima-se o empregado de mesa que costuma ficar mais duas horas após o horário oficial com a desculpa que é para arrumar o restaurante

Empregado de Mesa- Os senhores queiram desculpar mas nós vamos fechar. Trago já aqui a conta. Ora uma tarte, duas tequilas, um felinni, umas dose de truffauts e uma manobra Heimlich. São 67€ por favor.

Produtor- Porra!

Empregado de Mesa- O Heimlich são 37€. Tivesse pedido com bebida e era 15% mais barato.

James Cameron- Não olhes para mim.

Produtor- A ideia de vir almoçar aqui foi tua.

James Cameron- Mas tu é que és o produtor!

Produtor- Sou, mas tu disseste que só vinhas beber café!

James Cameron- E pensei que só vinha beber café mas acabei por necessitar de mais do que estava à espera. Além disso, tu pediste um Heimlich!

Produtor- Eu não pedi nada, necessitei de um porque até me senti mal com as tuas ideias!

Produtor- Pagamos a meias então!

James Cameron- Está bem mas eu quero dar o meu contribuinte!

Produtor- Mas eu sou o produtor! O nome a dar é o meu!

James Cameron- Mas se não fosse eu não havia almoço para ninguém!

Produtor- Remete-te ao teu lugar, permitiste que o Terminator Geni..Geny..Gen.. O quinto filme fosse feito!

James Cameron- O que querias que fizesse? Eu nem tinha controlo da licença!

Produtor- Eu sei, mas não assinaste um contracto em como não podias avisar que era o equivalente cinematográfico a arrotar depois de vomitar. Tanto esforço para algo horrível. E o Sactum? Lembraste de teres produzido? Deves ser o único!

Empregado de Mesa- Se me permitem, já que ninguém vai pagar, eu tenho uma sugestão que me parece justa para os dois.

Narrador – Sempre que entrássemos no The Dhinning, podíamos esperar ouvir aqueles dois a discutir na cozinha. Não demorou muito até as discussões fazerem parte do ambiente. Havia quem viesse de propósito para os ouvir e esquecer um pouco o que se passava no mundo, outros sentiam que a vida talvez não fosse tão má. Eventualmente, passaram a ser bons a grelhar hambúrgueres. James Cameron era um mal necessário que o Produtor não entendia. Ele sabia o que estava a fazer. As sequelas do Avatar foram um sucesso sem precedentes. Certo, falavam mal da história, e com razão, era fraquinha, mas todos iam ver o filme. Não, mais do que ver, iam sentir. O facto de cada filme ter as suas dimensões extra fazia com que fossem uma experiência que não podiam repetir fora do cinema. Havia algo único em sentir o rabo peludo de um macaco a ser esfregado na cara. Era o que sabia bem ao final de um dia de trabalho e fazia esquecer os adolescentes a tirarem selfies ao lado. James Cameron sabia isto. James Cameron focou-se na tecnologia para salvar o cinema. Criou experiências que o Sr. Joaquim não podia reproduzir em casa. Eventualmente lançou o Avatar 6, onde o público tinha de ir ao estúdio gravar as cenas com o elenco à frente de um pano azul, sentido mesmo estar no filme. James Cameron salvou o cinema. Eu não sei quanto a vocês, mas eu sinto conforto em saber isso.

Notícias